segunda-feira, 5 de julho de 2010

Rubro Negro #7 - O Uniforme Branco: Parte 1



Em um laboratório em São Paulo, o geneticista Eduardo Acco terminava de misturar soluções que ele havia conseguido decifrar. Depois da morte do maior geneticista do Brasil, Gabriel Soares, Acco devotou sua vida em busca da fórmula genética que seu ídolo havia encontrado anos atrás.

Sem que ninguém desconfiasse, essa fórmula foi usada em Arthur, a mando do traficante Ricardinho para criar o primeiro super-guerreiro a seu serviço. Entretanto, Arthur conseguiu fugir antes da lavagem cerebral que o tornaria em um homem sem mente, o guerreiro perfeito. Nessa fuga, Gabriel Soares acabou morrendo e, desde então, surgiu o vigilante mascarado Rubro Negro. A fórmula, portanto, se perdeu.

Até agora. Eduardo Acco analisou os resultados e despejou uma lágrima pela emoção de ter recriado, a seu ver, a fórmula de Gabriel Soares. Um grande passo para a humanidade, pensava ele.

Publicando seu artigo, a imprensa tornou sua descoberta em um show de televisão. Haviam vários programas onde essa nova curiosidade do mundo da ciência mostrava ao senso comum suas particularidades. Eduardo Acco se divertia contando as possibilidades de sua fórmula. Poderia ampliar a força, a agilidade e a resistência física, além de uma capacidade de regenerar ferimentos. Tudo à base do plasma.

Arthur decidiu ler o artigo cientifico na integra, curioso sobre seus poderes. Não conseguiu entender absolutamente nada. Buscando informação na televisão, descobriu de modo simples o significado de sua energia de plasma. Segundo Acco, o plasma é o quarto estado fundamental da matéria. É quando se transfere uma quantidade tamanha de energia a uma massa que a transforma além do estado gasoso. É uma das mais poderosas energias do mundo e sempre está em estado de evolução.

Arthur coçou seu projeto de barba pensando nas possibilidades. Será que ele poderia ser mais poderoso que já é? Isso explica o seu poder de estouro que descobriu meses atrás.

Uma semana depois, Eduardo Acco foi convidado a dar uma demonstração ao vivo numa rede de televisão. Utilizaria sua fórmula para alterar o DNA de um rato. Se tudo desse como o esperado, o rato teria força para girar uma roleta de aço, endurecida para tal propósito experimental.

Numa favela do Rio, Ricardinho estreitava seus olhos, pensativo. Havia acabado de ouvir a notícia sobre a descoberta da fórmula do falecido geneticista Gabriel Soares. Fez uma ligação para um antigo capanga.

Ronaldo estava em seu novo trabalho. Seria um dos seguranças responsável por vigiar a apresentação na televisão de Eduardo Acco. Ele aproveitava para sonhar com possibilidades.

- Se eu tivesse super-força... ah, nunca mais iria passar fome.

O professor Cardoso liberou Arthur e Larissa para aproveitarem as férias de julho. Seria um momento completo: férias da faculdade e férias da bolsa de estudos. Arthur já tinha planos de melhorar sua vida social. Ele estava em casa para assistir ao programa de Eduardo Acco, pois tinha interesse pessoal nisso.

Quando começou o programa, ele estava tranqüilo, bebendo refrigerante e comendo pipoca. Porém, as coisas não continuaram tranqüilas.

Houve tiros no estúdio. Correria, e a câmera balançou, saindo do ar em seguida. Arregalando os olhos, Arthur não podia ficar parado. Vestiu-se de Rubro Negro e correu para o Jardim Botânico.

Nos estúdios televisivos, Ronaldo arrastava o geneticista Acco. Minutos atrás um grupo armado de homens vestindo roupas negras entrou no estúdio do programa e renderam todos. Ronaldo reagiu atirando, o que provocou um tiroteio. Algumas pessoas se machucaram, outras fugiram desesperadas. Ronaldo percebeu a burrice que fez, então decidiu tentar salvar pelo menos o geneticista. Correu pelos bastidores, saindo pelas portas do fundo. Encontraram ninguém menos que o Rubro Negro ali.

- Ora vejam só. O pequeno meliante que se acha grande. – Rubro Negro cruzou os braços.

- O que? Está achando que fui eu quem fez isso? – Ronaldo saltou uma veia, demonstrando grande irritação.

- Não foi ele. Foram eles! – Eduardo Acco apontou para trás deles. Havia quatro homens bem armados. Assim que viram o Rubro Negro, se espalharam e descarregaram seus fuzis. Ronaldo e Acco se jogaram no chão para não serem atingidos, pois não eram alvos. Rubro Negro recebeu os tiros, mas apenas cambaleou para trás. Seu uniforme estava cheio de furos.

- Que merda. Quando vão aprender que isso só vai me machucar um pouco? – falava enquanto já sentia seus ferimentos se fecharem.

- Então, que tal isso? – um quinto homem apareceu com uma bazuca. Rubro Negro arregalou os olhos, admirado.

- Ops.

Um tiro certeiro fez Rubro Negro voar muitos metros, se chocar numa parede, abrir um rombo. Segundos depois, a parede não suportou o baque e caiu para trás. Os homens esperaram alguns segundos antes de agir. Confirmaram que Rubro Negro não estava se mexendo. Em seguida, espancaram Ronaldo e levaram o geneticista dali. A polícia apareceu em seguida, no momento em que Rubro Negro acordava. Irritado, só lhe restou fugir.

No esconderijo de Ricardinho, em alguma favela do Rio, os homens entregaram Eduardo Acco. O traficante sorriu, satisfeito.

- Você sabe quem eu sou?

Com medo, Acco se limitou a balançar a cabeça negativamente.

- Eu sou Ricardinho, ex-chefe de Gabriel Soares. Aposto que sabe quem era ele. Pois agora eu sou teu chefe. Trate de trabalhar e me entregue sua fórmula o mais rápido possível.

Ricardinho havia mudado seus planos. Ao invés de desenvolver um exército de super-guerreiros, temendo que as coisas saiam do controle, decidiu vender a informação para o mercado negro, para compradores poderosos espalhados pelo mundo.

Arthur chegou em casa cambaleando, ainda zonzo pelo tiro de bazuca que recebeu. Aquele ferimento demoraria um pouco mais para ser curado. Deitou-se na cama e dormiu até a noite. Acordou com sua mãe.

- Só porque está de férias não quer dizer que pode trocar o dia pela noite, mocinho.

Arthur sorriu para ela e foi para a sala, assistir televisão. Ligou no telejornal e se embasbacou com a notícia:

- Um grupo de assaltantes fortemente armados, liderados pelo Rubro Negro, atacou nossos estúdios e levou seqüestrado o geneticista Eduardo Acco.

“Como eles puderam me envolver nisso? Como acharam que eu era o líder? Eu levei um tiro de bazuca, pelo amor de Deus! Esse é o sistema de justiça para o Rubro Negro: culpado até provarem o contrário!”

A notícia prosseguia desanimadora. O empresário Francisco Heiner ofereceu uma recompensa de um milhão de reais a quem pudesse capturar o Rubro Negro e entregá-lo à justiça. Heiner alegava que havia se compadecido do seqüestro e que iria financiar as pesquisas de Eduardo Acco assim que ele fosse liberado. Mas, secretamente, ele havia recebido uma ligação do traficante Ricardinho. Ele ordenou a recompensa para fechar o cerco ao Rubro Negro.

- Agora o Rubro Negro vai ter o que merece – disse a mãe de Arthur.

“Obrigado, mãe. Era o que eu precisava” pensou Arthur antes de voltar pro quarto.

Deitado em sua cama, olhando seu uniforme totalmente destruído, Arthur teve pensamentos pessimistas. Valendo tanto, não demoraria em surgirem vários grupos mercenários em sua caça. E ele não sabia se podia contar com sua antiga gangue para obter um novo uniforme. Decidiu que era hora de aproveitar suas férias como Rubro Negro também. Jogou os restos de seu uniforme no lixo e dormiu.

Nessa noite, ele teve um sonho diferente. Corria pelas ruas do Rio de Janeiro sem camisa, apenas com o short de pijama. A cidade estava vazia, nenhuma pessoa. Então, ouvia rugidos. Olhava para o lado e via o Lobisomem. Tentava fugir, mas era cercado pelos andróides D-100 e D-1000, que se uniam em sua frente. Mas dessa vez, ele correu para dentro do Maracanã. Lá, era cercado pelo Diabo com seu sorriso sádico. Tentava achar um meio de sair dali, mas logo se viu totalmente cercado por todos os super-vilões que ele havia posto na cadeia. Subitamente, sua gangue aparecia para lhe defender. Eles derrotavam os vilões. Porém, antes de comemorarem, aparecia a gangue das cores branca e preta com Ronaldo na frente. Arthur e Ronaldo se enfrentavam, de igual para igual, como se ambos tivessem poderes. Arthur começava a perder a luta, quando viu seu uniforme aparecendo. Movia-se como se tivesse um homem invisível vestindo-a. Ronaldo, de repente, tinha uma bazuca e destruía o uniforme. Entretanto, outro uniforme se fez: um uniforme branco. Máscara branca, camisa branca com duas listras rubras verticais que começavam e terminavam nos ombros. Tinha outras duas listras rubras, dessa vez horizontais que começavam no flanco e terminavam no abdômen, mas sem se tocarem. Suas calças eram brancas. Suas luvas, botas e ombreiras eram as mesmas, negras. Esse uniforme batia e derrotava Ronaldo.

Arthur acordou suando frio. Olhou para o lixo e viu sua camisa rasgada. Depois de beber um copo de água na cozinha, uma idéia lhe ocorreu: hora de mudar de uniforme.

Dia seguinte, ele foi até a casa de Sofia, no Leblon. Foi recebido em seguida.

- Que surpresa agradável, Arthur.

- E se eu te dissesse que tenho mais surpresas para você, gatinha?

- Como assim?

Arthur se aproximou dela, cheio de atitudes. Segurou suas mãos.

- Acho que temos muita coisa em comum. Acho que nos damos muito bem. Acho também que pessoas que passam por uma situação perigosa juntos, podem criar uma certa química.

Ele aproximava seu rosto ao dela.

- Arthur, você está diferente. Mais saidinho...

Sofia estava um pouco confusa e as palavras de Arthur a fizeram se sentir um pouco desconfortável. Ela inventou que tinha que ir ao dentista e o dispensou. Arthur mordeu a isca e saiu dali.

“Acostume-se, gatinha. Este é o novo Arthur”.

Um helicóptero da polícia sobrevoava o Complexo do Alemão. Havia suspeitas de que o geneticista seqüestrado estava lá. Já se passaram duas semanas desde seu rapto. Duas semanas que Rubro Negro não dava as caras. Por isso os policiais do helicóptero ficaram surpresos ao verem um homem de máscara e roupas brancas sobre um prédio da favela. Acionaram o BOPE.

Rubro Negro estava com seu uniforme branco, observando as pessoas naquela noite. Dessa vez, ele agradecia à imprensa por ser tão sensacionalista e ter revelado que a polícia acreditava que o cativeiro de Eduardo Acco fosse no Complexo do Alemão. Sorrindo, tentava enxergar pessoas suspeitas. Viu homens andando de fuzis, calmamente.

- Na mosca.

Rubro Negro saltou e caiu em pé em frente aos homens armados. Sorriu para eles, num tom irônico.

- Eu quero saber onde está Eduardo Acco, o cientista.

Aqueles homens apenas abriram fogo. Rubro Negro não quis se mover. Recebeu a saraivada de tiros, mas agüentou firme, com poucos ferimentos. Dessa vez, seu uniforme branco não tinha nenhum furo, era feito de um material a prova de balas, cortesia de um roubo que ele fez a um carro de polícia. Um único crime que ele se permitiu cometer.

- Má idéia. Agora eu vou chutar seus traseiros.

O vigilante espancou violentamente cada um daqueles homens do tráfico. As pessoas à sua volta ficaram horrorizadas.

- O que foi? Vocês gostam desses traficantes controlando a vida de você? Então não reclamem!

Correndo, subia o morro. Viu que alguém havia disparado um sinalizador para cima. Definitivamente, estavam sabendo da presença dele naquela favela do Complexo do Alemão.

Outros traficantes apareceram. Atiraram, mas Rubro Negro não deu bola. As balas eram fracas perante sua grande resistência agora somada à roupa à prova de balas. Rubro Negro poderia investir na favela de forma furtiva, sem levantar suspeita. Mas naquele momento, ele só pensava em mostrar a todos que não era um vilão. A mudança de uniforme era um símbolo dessa mudança de atitude. Menos furtividade, mais presença na vida das pessoas.

Alguns traficantes começaram a jogar granadas. Rubro Negro não teve como ignorar isso. Correu e decidiu continuar sua caminhada sobre os tetos dos barracos dos moradores. Chegou a um ponto onde ele reencontrou os homens armados que haviam seqüestrado Eduardo Acco e lhe atirado com uma bazuca.

- Nos encontramos de novo, babacas. Agora é a hora do troco.

Concentrando sua energia, disparou um raio de plasma sobre um dos homens. Ele voou uma grande distancia. Era força demais para um ser humano. Ele deslizou sobre o morro e caiu. Os outros atiravam com seus fuzis, mas Rubro Negro estava mais rápido. Desarmou um deles e lhe deu uma coronhada. Usou o fuzil como bastão e acertou outro. Outros quatro pularam em cima dele. Rubro Negro girou seu braço derrubando dois, depois usou um chute para derrubar outros dois. Limpou as mãos e riu.

- Vocês são patéticos. Ninguém pode com o novo Rubro Negro!

Agarrou o colarinho de um deles:

– Onde está Eduardo Acco?

O homem nada disse. Rubro Negro lhe deu um soco no rosto, quebrando o nariz.

- Onde está Eduardo Acco?

- Não sei de nada não – respondeu entre gemidos de dor. Rubro Negro o socou novamente, dessa vez levando vários dentes.

- Onde está Eduardo Acco?

O homem chorava e nada falava. Rubro Negro criou um círculo de energia de plasma em sua mão. Colocou sobre a cabeça do homem.

- Eu vou te matar. Onde está Eduardo Acco?

- Meu Deus, não me mata!

Rubro Negro sentiu uma paulada na cabeça, apesar de não ter sentido dor. Olhou para trás e viu um senhor de idade, dono de um botequim.

- Saia já daqui, covarde!

- Eu? Covarde? Você é pai desse criminoso?

- Não!

- Então vaza daqui. Ele é criminoso e só atrapalha a vida dessa comunidade.

- O que você está fazendo é pior. Nenhum ser humano merece isso!

Rubro Negro arregalou os olhos. Olhou para as ruas e via todos os moradores da favela com olhares de raiva, medo e indignação.

“O que foi que eu fiz?” Rubro Negro correu para longe dali, ainda desviando de carros da polícia. Estava envergonhado do que tinha feito. Tudo que queria era pensar. Sobre um telhado de algum prédio perto de casa, em Botafogo, Rubro Negro tirou sua máscara. Começou a chover naquele instante.

Em sua ânsia por melhorar sua impressão perante a mídia e a sociedade, ele esqueceu quem ele realmente protege. As pessoas que não podem se defender sozinhas. As pessoas que são oprimidas diariamente em seus trabalhos por seus patrões, pela imprensa que os criminaliza e pelos traficantes que controlam suas vidas cotidianas. Esqueceu que os criminosos também eram pessoas que talvez não tivessem outra escolha para sobreviver na marginalidade, esquecidos por todos. Rubro Negro esqueceu dos pobres. E por isso, ele chorou.

- Isso nunca mais vai acontecer.


Continua...

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