domingo, 4 de julho de 2010

Rubro Negro #6 - A Ameaça de Lorde Mágiko


Era noite no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
Os vigias caminhavam sonolentos em frente à fachada envidraçada do museu mais famoso do Brasil. Um homem estava encoberto pelas sombras daquela noite e observava seu alvo.
Ajeitando sua máscara vermelha, ele finalmente encontrou o momento certo de agir. Os vigias estavam trocando de turnos. Correndo numa velocidade sobre-humana, ele entrou pelo portão lateral do Museu. Com um salto de nível olímpico, alcançou o tubo de ventilação, que estava no teto. Agarrando as grades que fechavam o tubo, ele usou sua super-força para arrebentar as dobras de aço. Entrou, sem fazer muito barulho, sem ser notado.

Arthur acordava para mais um dia corrido. Comendo sucrilhos, via o jornal da manhã apresentando as notícias policiais. Ele via os jornais como uma fonte para suas atividades como Rubro Negro. Recebeu uma mensagem de texto em seu celular de Cecília.
“Devo ter dado uma boa impressão no último encontro”. Com um sorriso triunfante, ele respondeu o convite para o cinema feito pela menina paulista. Ele sabia que Cecília estudaria Belas Artes na Universidade Federal do Rio de Janeiro, por isso queria ser o mais amigável possível.
Subitamente, uma notícia chamou atenção de Arthur. O Museu de Arte Moderna havia sido assaltado pelo Rubro Negro. Arregalando os olhos e cuspindo o seu sucrilhos, Arthur aumentou o volume da notícia. A televisão mostrou imagens do circuito interno de segurança. Sem dúvida, era o Rubro Negro com uma mochila nas costas. Ele roubava uma obra de metal suíça, de extremo valor. Alguns guardas apareciam e Rubro Negro dava cabo deles com uma pistola que disparava raio laser vermelho, da cor do raio de plasma do Rubro Negro original. Ninguém morreu, mas no final, Rubro Negro ainda dava “tchau” para a câmera de segurança antes de destruí-la.
“Ainda bem. Pensei que eu era sonâmbulo!” Arthur terminou sua refeição e tão logo saiu de casa.

Pegando o metrô na Estação Botafogo, Arthur desceu na Cinelândia. Ele caminhou algumas ruas até o Museu de Arte Moderna e encontrou um tumulto de repórteres, policiais e curiosos. Se metendo entre os curiosos, ele viu uma janela no segundo andar aberta. Olhou para os lados e percebeu que ninguém o via. Saltou uma grande distância e escalou até a janela. Uma vez dentro, percebeu que estava na sala onde a câmera de segurança havia sido destruída. Havia uma ou duas obras chamuscadas pelos raios lasers. Arthur ficou insatisfeito por saber que sua rajada de plasma deixava a mesma impressão em objetos. Ficavam chamuscados como se tivessem ateado fogo.
- Parado aí. Tenente Vanessa. Quem é você? – uma policial apareceu subitamente mostrando sua carteira de policial. Ela trajava roupas sociais e um colete a prova de balas. Tinha pele morena e cabelos longos, lisos e presos. Tinha uma cara de poucos amigos.
- Eu sou Arthur, sou... – gaguejou, ficou pensando numa desculpa menos esdrúxula possível, mas quanto mais tempo demorava a responder, menos credibilidade passava.
- Se você não me responder agora, eu vou lhe dar voz de prisão imediatamente.
O furor dos repórteres se tornou mais barulhento naquele exato momento. Isso chamou a atenção da policial e de Arthur, aliviando sua barra. Um policial muito nervoso apareceu:
- Tenente Vanessa, apareceu um cara fantasiado aqui!
Os dois caminharam até a sala principal e viram um homem trajando roupas de gala, sobretudo e luvas brancas. Tinha olhos verdes brilhantes, pequeno cavanhaque negro, cabelos negros, curtos, bem penteados com um leve grisalho. Ele tinha um cajado polido em mãos com uma jóia verde brilhante. Ele erguia as mãos para todos, acenando. Então, depois do furor de perguntas dos repórteres e antes de ser abordado pelos policiais, ele falou. E sua voz era alta e limpa.
- Nada temam meus amigos. Eu sou Lorde Mágiko. Por tempo demais eu assisti a atuação do covarde criminoso Rubro Negro. Estou aqui para trazer a esperança para a família, para o cidadão de bem poder ter segurança nas ruas. Vou pegar o Rubro Negro e levá-lo a justiça.
Perguntas explodiram em todos os cantos. Os policiais desistiram da idéia de repreensão. O deputado Aloísio Mendonça entrou em cena. Ferrenho opositor ao Rubro Negro, ele havia ido ao Museu para criticar o vigilante mascarado e cobrar mais ação da polícia.
- E o que você pode fazer? – perguntou o deputado, com cara de desconfiança.
- Estava esperando a pergunta. – disse o Mágiko, com um sorriso sarcástico nos lábios.
Mexendo em seu cajado, surgiu uma névoa branca em sua volta que girava em torno de si. Lorde Mágiko levitou, provocando suspiros entre todos. Mexendo novamente em seu cajado, disparou um raio laser sobre o teto, destruindo-o completamente. Destroços começaram a cair e houve um pânico geral. Entretanto, quando todos olharam de novo, se deram conta que nada havia acontecido. Não havia destroços, não havia teto destruído, nem mesmo Lorde Mágiko estava presente. Apenas ecoava uma voz no ar:
- Isso é um aviso ao Rubro Negro. Não haverá lugar para você se esconder, nem fugir.
Arthur olhou para aquele homem e já sentiu cheiro de tramóia no ar. Um homem surge do nada dizendo que vai prender o criminoso Rubro Negro? Até então ninguém havia tentado incriminar o herói mascarado. As coisas podiam ser conectadas. Lorde Mágiko pode ter vestido a roupa do Rubro Negro para incriminá-lo.

De noite, no ônibus, indo para casa, Arthur ouvia pagode como som ambiente. Ficava pensando em como encontrar Mágiko para esclarecer tudo. Então, a rádio interrompeu o pagode para falar que o Rubro Negro estava envolvido em um incidente no Shopping Center Tijuca.
“Hora de conhecer meu irmão gêmeo”. Arthur desceu do ônibus e pegou o metrô até Saens Pena.

Enquanto isso, no Shopping, as pessoas corriam. Os seguranças pareciam inúteis ou com medo de enfrentar um homem como Rubro Negro, capaz de proezas físicas comprovadas. Ele tinha um saco e carregava dinheiro e jóias valiosas. O falso Rubro Negro corria pelo segundo andar, disparando seu raio lasers aleatoriamente. A polícia demorava em dar as caras. Quando o Rubro Negro verdadeiro apareceu.
- Tá achando que pode queimar minha imagem? Ela já era queimada antes... – Disse o vigilante mascarado correndo de encontro ao impostor. Saltando, desferiu um chute com os dois pés juntos. Mas ele ficou surpreso em descobrir que era uma ilusão. Rubro Negro nada acertou e acabou destruindo a vitrine de uma loja de roupas.
Erguendo-se daquele vexame, ouviu uma risada ambiente. Saindo da loja, viu Lorde Mágiko flutuando sobre uma névoa branca, como quem acabara de chegar.
- Seu filho da p
- Modere seu linguajar, vilão. Irá pagar por todos os seus crimes. – Lorde Mágiko tinha uma certeza e entonação na voz que incomodava.
Rubro Negro saltou sobre ele. Mas Mágiko era outra ilusão. Dessa vez, o herói mascarado caiu do segundo andar do Shopping, destruindo um banco de madeira, perto de um chafariz. As pessoas em volta se escondiam. Lorde Mágiko apareceu ao lado de Rubro Negro gesticulando com um olhar sereno para as pessoas:
- Não tenham medo. Não deixarei que ele os machuquem.
- Tu é o único em se preocupar em se machucar, cara – Rubro Negro rangia os dentes, com raiva e apontava para Lorde Mágiko. Estava louco para esmurrá-lo.
- Eu já estou preparado para lhe enfrentar. Mas não será aqui, na frente dessas pessoas. Não arriscarei suas vidas. Será no mesmo lugar onde você me arruinou. – A voz dele era decidida, agora foi substituída por um tom de rancor e amargura.
- O que? Você é um idiota. Não sei do que está falando.
- Tudo será explicado, Rubro Negro. Siga a estrada de tijolos amarelos.
Subitamente, no chão do Rubro Negro surgiu um caminho de tijolos amarelos, que serpentearam pelo shopping inteiro até a parede sul, que se desfez como se corroesse. O caminho de tijolos amarelos seguiu até a imagem da Ponte Rio-Niterói. Lorde Mágiko a seguiu voando até desaparecer.
Rubro Negro correu para alcançá-lo, mas deu de cara com a parede. Era tudo ilusão. Algumas pessoas riram dele. Outras o chamaram de ameaça. Mas ele se achava outra coisa:
“Já estou começando a me sentir um idiota...”

Na noite seguinte, a Ponte Rio-Niterói foi fechada. As pessoas desciam de seus carros para ver Lorde Mágiko flutuando sobre sua neblina, pairando o centro da ponte. Havia repórteres do Brasil inteiro, policiais controlando os carros para se adequarem ao que estava prestes a acontecer. Mágiko acenava e ganhava aplausos.
Arthur terminava de por sua máscara e via como seu adversário era adorado. Sentiu um pouco de inveja e quase desistiu de ir de encontro.
“Ah, que porcaria. Me sacrifico por essas pessoas e elas aplaudem o vilãozão. Que merda. Ah, foda-se. Vou lá.”
Rubro Negro subiu sobre um ônibus e se fez visto. As pessoas vaiavam e jogavam coisas. O vigilante mascarado resmungava, mas mantinha o controle, tentando ignorar aquelas pessoas.
- Muito bem, já estão contra mim. E agora? O que tu vai fazer?
- Isso! – Lorde Mágiko apontou seu cajado e a jóia verde brilhou intensamente. Um raio laser foi disparado. Rubro Negro sorriu, pois era fácil desviar. Mas, quando pensou em realizar seu movimento, foi surpreendido com a divisão do raio laser. Tornaram-se círculos de energia que circularam o herói, mas sem tocá-lo. Rubro Negro ficou confuso, quase sem equilíbrio. Acabou caindo do ônibus. Na queda, um dos círculos de energia o atingiu e o jogou pra fora da ponte.
Num momento de desespero, ele se agarrou num pedaço de concreto. Lorde Mágiko voou para perto de Rubro Negro com um sorriso sereno no rosto. Disparou novamente um raio com seu cajado acertando sua cabeça. Rubro Negro despencou na Baía de Guanabara.

Chegando em casa, Arthur estava muito emburrado. Havia desmaiado e acordado horas depois. Nenhuma equipe de resgate apareceu. Todos estavam contra o Rubro Negro. Sem falar com os pais, se trancou no quarto. Ligou seu computador e viu as notícias na internet juntamente com um vídeo da luta e da queda do Rubro Negro. O celular tocou e ele atendeu exalando grosseria.
- O que é?
- Arthur? Só queria saber se você estava vivo – era Cecília.
- Cecília? Ah, o cinema! Eu esqueci...
- Você sabe como fazer uma garota se sentir importante – disse, com tom irônico.
- Olha, se não for muito tarde eu...
- Desculpe. No meu jogo, só tem uma bola fora. – desligando.
“Francamente, essa paulista é jogo duro. Mas que merda. Desde que eu vesti essa camisa minha vida ficou uma bagunça. Mas agora chega. Tô tirando férias do Rubro Negro”.

Dia seguinte, Arthur acordou cedo, leu textos para a faculdade que estavam atrasados. Sorria radiante sem o peso nas costas de ser um super-herói. Ligou a televisão e viu a imprensa cair de amores pelo Lorde Mágiko. Entretanto, a tenente Vanessa foi entrevistada e disse que não acharam o corpo do Rubro Negro, portanto, não havia garantias de que estivesse morto. Também disse que não era ávida em cair nas graças do novo “herói”, pois não havia investigações suficientes. Disse que Lorde Mágiko usava aparelhos ilusórios, por isso, suspeitava que o Rubro Negro assaltante fosse uma farsa.
Sua opinião fora criticada pelo jornalista que apresentava o telejornal e pelo deputado Aloísio Mendonça, que insistia em aparecer demais. Arthur sorriu. Afinal, havia esperança para ele.

De noite, a tenente Vanessa dirigia seu carro quando parou num sinal. Rubro Negro apareceu para ela fazendo malabarismos com laranjas.
- E aí, vamos conversar?

No departamento da polícia militar, em seu escritório, Rubro Negro e Vanessa estavam escondidos, conversando.
- Ele disse que eu já o arruinei, na Ponte Rio-Niterói.
- Vamos ver. – a tenente Vanessa pesquisou sobre incidentes na Ponte onde havia relatos da presença do Rubro Negro. Descobriram que houve uma batida de carros na Ponte e o Rubro Negro salvou um homem da explosão iminente de seu carro, mas não salvou sua esposa.
- É, merda. Eu fiquei arrasado também. – Ele estava como Arthur num ônibus voltando de Niterói, depois da luta contra o Ciborgue Titânio, semanas atrás. Viu o acidente e o transito parou. Desceu do ônibus, pôs sua máscara e tirou sua jaqueta mostrando o uniforme. Salvou o homem, mas não salvou a mulher. O homem disse que teve sua vida arruinada, que era melhor ter morrido com sua mulher.
- Este homem é Sérgio Fonseca, era um mágico de festas infantis. Ele deu depoimento para a polícia depois do acidente. Ele mora na Rua Conde de Irajá, em Humaitá.
- Maravilha. Eu vou lá.
- Espere... - Rubro Negro saltou pela janela e correu.

Um jornal da cidade recebeu um e-mail: “Se quiser saber da verdade sobre Rubro Negro e Lorde Mágiko, compareçam à Rua Conde de Irajá, Humaitá. Assinado: Rubro Negro, que não tem medo de morrer”. A noticia se espalhou como fogo na palha.
Enquanto isso, Rubro Negro entrava no prédio de Sérgio Fonseca pelos fundos, subindo pelas escadas de emergência. Arrombou a porta de sua casa com facilidade. Ele encontrou fotos suas presas nas paredes com dardos em seu rosto. Viu a roupa falsa do Rubro Negro e a arma laser usada. Havia um cubo eletrônico do tamanho de uma bola de sinuca que projetava imagens falsas. Além das plantas do Museu, Shopping e Ponte.
“Na mosca.”
Enquanto isso, carros de reportagem e de polícia chegavam. A tenente Vanessa estava junto.
Rubro Negro sentiu suas costas queimarem. Recebeu um raio laser em cheio. Lorde Mágiko flutuava do lado de fora de seu apartamento.
- Seus truques acabaram, mágico imbecil.
Rubro Negro apontou com suas duas mãos juntas e disparou uma rajada de plasma energético. Lorde Mágiko desviou do golpe com dificuldades. Foi obrigado a pousar na varanda. A essa altura, o ferimento nas costas do herói estava curado.
- Tu só é bom em espaços abertos. Aqui não tem chances de me vencer. – Disse o herói, confiante.
Então, para complicar as coisas, a tenente Vanessa apareceu com um revolver apontando Lorde Mágiko. Ela ordenava para ele ficar parado. Rubro Negro gritou para ela sair dali. Em meio aos gritos, Lorde Mágiko usou sua neblina para ocupar o apartamento inteiro. Rubro Negro e Vanessa ficaram perdidos. De repente, um raio laser foi disparado e acertou em cheio a tenente. Rubro Negro esbarrou com ela e a segurou bem próxima a si mesmo.
- Espero que dê certo.
Concentrou-se e disparou a energia de plasma em seu estouro, atingindo a tudo no apartamento. Lorde Mágiko inclusive, que voou contra a parede, batendo a cabeça e ficando tonto.
Colocando a tenente ferida nos ombros, ele se aproximou de seu adversário.
- Desculpe cara. Eu juro que tentei salvar sua mulher.
- Não aceito suas desculpas. A cidade precisa de um herói melhor que você. Eu posso, eu sou melhor.
- Não é, não. Você cometeu crimes somente para me ferrar, ignorou meus feitos anteriores. Eu tento ajudar todo mundo. Você só pensou em você mesmo, quando pensou em seu plano de vingança.
Sérgio Fonseca calou-se e chorou. Rubro Negro usou o telefone da casa para fazer a polícia subir e com médicos para a tenente ferida. Depois, correu para as escadas de emergência, trocando já sua roupa para ser Arthur de novo.

Dia seguinte, Arthur lia a manchete: Rubro Negro inocentado, Lorde Mágiko preso. Ele estava caminhando para o ponto de ônibus para ir ao Fundão, onde o curso de História foi transferido após a destruição do IFCS. Acabou esbarrando com Cecília.
Os dois ficaram em meio a um silêncio constrangido.
- Bem, desculpe esquecer do cinema.
- Tudo bem, desculpe ter desligado o telefone na sua cara.
- Já que estamos resolvidos, que tal aquele cineminha depois da aula?
Ela sorriu.
- Desculpe, Arthur. Mas vou sair com outro menino.
- Ah, tudo bem.
Arthur sentiu-se menor, frustrado. Apesar de sua vida social ter problemas, ele estava bem resolvido com a opinião pública como Rubro Negro.

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