domingo, 11 de julho de 2010

Rubro Negro #10 - O Deus da Guerra


Arthur acordava para o primeiro dia de aula, retorno das férias de julho. Rapidamente ligou seu computador para buscar as notícias policiais. Desde que Ronaldo fora preso alegando amnésia, ele ficou imaginando uma fuga espetacular da prisão em busca de vingança. Mas isso não aconteceu até as férias acabarem. Arthur começou a acreditar que era verdade. E ficou feliz com isso. Talvez as coisas piorem quando ele se der conta dos poderes que tem.
Afastando pensamentos agourentos, Arthur terminou seu café da manhã e foi pegar um ônibus para o Fundão. Ficava imaginando quando o IFCS seria reconstruído. Talvez nunca, pois o poder público não ligava para a educação ou preservação de um prédio público e histórico.
Seu celular tocou e era Sofia. Ele havia contado a ela que Ronaldo estava metido com tráfico de drogas e que estava seguindo por motivos pessoais do passado. Ela insistiu e ele foi obrigado a contar que fazia parte de uma gangue de brigões de rua e Ronaldo fazia parte de outra rival, mas Arthur tentou amenizar a notícia dizendo que saiu da gangue quando soube que eram metidos no crime organizado. Sofia achou que aquele passado era horrível, mas que não mudava seu pensamento atual, pois via Arthur como ele era hoje: alguém de bom coração e esforçado.
Marcaram de se encontrar de noite no Teatro Municipal para assistirem a uma peça. Desligado o telefone, Arthur foi para suas aulas.

Depois da aula, Arthur e Larissa foram chamados para a sala do professor Cardoso para dar inicio aos trabalhos da bolsa de pesquisa. Arthur aproveitou para checar se estava tudo bem com o professor e percebeu que ele vivia uma vida normal. Aparentemente, nunca mais havia se tornado no Lobisomem.
- Quero que vocês pesquisem na Biblioteca Nacional e façam um fichamento sobre estes livros aqui.
Arthur viu que eram sobre mitologia nórdica e seus impactos na Idade Média. Um trabalho e tanto e os dois estudantes ficaram empolgados. No caminho para a Biblioteca Nacional, ficaram dividindo tarefas. Chegando na Avenida Rio Branco, perceberam duas viaturas de polícia. Curiosos, Larissa e Arthur foram saber o que estava acontecendo.
- Um homem louco está ameaçando a vida de uma mulher! – disse alguém que fugiu de dentro do lugar.
Arthur torceu o nariz. Tinha que fazer alguma coisa pra investigar.
- Larissa, acho que vamos ter que adiar essa pesquisa. Amanhã, na mesma hora?
- Arthur, já está fugindo do trabalho? Podemos esperar a polícia imobilizar esse louco, ué. – Arthur revirou os olhos.
Súbito, uma janela de vidro do segundo andar explodiu carregando um grande estrondo. Parecia uma pancada em concreto. Larissa olhou para cima assustada e, quando voltou sua atenção para Arthur, ele já não estava mais lá.

Rubro Negro subiu no terraço da Biblioteca já arrumando um meio de descer. Porém, antes de chegar na porta do terraço que dava para as escadas, uma mulher surgiu correndo, com terror em seus olhos. Era uma mulher de óculos de grau, cabelos loiros presos. Ela estava tão amedrontada que sequer sentiu medo de Rubro Negro. Correu até ele e o abraçou.
- Me salve! – gritava.
O vigilante mascarado não precisou imaginar do que ela fugia. Um homem de quase de dois metros apareceu, caminhando calmamente. Era negro, cabelos cortados bem curtos, negros em forma de tranças. Em seu torso nu e totalmente musculoso havia várias cicatrizes. Em seu pescoço, carregava um colar de ossos e dentes. Vestia saiote com panos leves e azulados. O que mais chamava atenção eram seus olhos vermelhos.
- Saia do meu caminho. Ou ouse testar sua força contra a de um deus.
- Vou ter que te decepcionar, cara. Vamos acalmar os ânimos aqui, certo? – Rubro Negro tentava entender o que um homem daquele tamanho totalmente insano iria ter assuntos com aquela mulher.
O homem correu na direção de Rubro Negro. Talvez por arrogância ou por surpresa, Rubro Negro posicionou-se para lutar com certa displicência. Arrependeu-se amargamente.
O herói mascarado sequer viu o movimento do soco daquele homem enorme. Mas sentiu uma dor avassaladora no estômago. Cuspiu sangue e sentiu o chão se afastar. Ele fora arremessado pra cima com um poderoso soco de baixo pra cima. Caiu totalmente aturdido.
Balançando a cabeça, viu aquele poderoso homem mostrando um sorriso satisfatório. Seu olhar demonstrava serenidade de um vencedor. Caminhou lentamente em sua direção. Rubro Negro se virou e se levantou com dificuldade. Seu poder de regeneração já estava agindo.
- Putamerda. Quem é você, cara?
- Eu tenho vários nomes. Mas você pode me chamar de Ogum, o deus da guerra.
Rubro Negro fez uma careta de quem estava confuso. Com sua escoriação já curada, ele saltou sobre aquele homem insano. Porém, o auto denominado Ogum se jogou de costas no chão e chutou com os dois pés no peito do herói mascarado. O golpe serviu de alavanca que fez Rubro Negro ser atirado para o outro lado do terraço.
“Esse negão tem super-força, definitivamente. O que será que está acontecendo?” Rubro Negro mal teve tempo de erguer-se e já foi atingido no rosto. Outro soco de Ogum. As coisas não iam bem. Um salto para trás, Rubro Negro se afastou. Concentrando sua energia nas mãos, disparou uma rajada de plasma certeira. Atingido em cheio, Ogum voou longe e caiu do terraço. Rubro Negro e a mulher correram para a borda do terraço e não viram ninguém. Ogum desapareceu.

- Ele vai voltar. Você não pode detê-lo, ninguém pode. – falava apreensiva enquanto gesticulava bastante. Estava muito agitada.
- Certo, certo. Se acalme. Vou te tirar daqui primeiro. Me conte no caminho o que diabos está acontecendo.
Enquanto Rubro Negro saltava da Biblioteca para um prédio menor e depois escalava para um prédio maior com a mulher nas costas, Ogum observava a cena, escondido num canto do terraço. Ele havia caído, mas se jogado na janela do segundo andar da Biblioteca Nacional. Depois que subiu, não encontrou Rubro Negro e sua mulher.
Jéssica Cunha era o nome dela e Ogum se chamava Rodolfo Pilar e ambos eram pesquisadores da cultura e mitologia yoruba. Eles se conheceram no doutorado e se casaram. Entretanto, cerca de alguns meses atrás Rodolfo e Jéssica haviam ido para a África para estudar fontes primárias para uma pesquisa que realizariam em conjunto.
Durante as investigações, eles descobriram uma espada que, segundo as lendas locais, pertenceu ao próprio Ogum, usada em guerras contra reinos vizinhos como Ará e a cidade de Irê. Ao tocar o artefato, de algum modo, Rodolfo se alterou completamente. Ficou maior, mais forte e seus olhos se tornaram vermelhos. Ele mudou tanto que se considerava a reencarnação de Ogum, o deus da guerra para os yoruba.

Rubro Negro e Jéssica estavam sobre a Livraria Saraiva da Rua Sete de Setembro, alguns quarteirões da Biblioteca Nacional.
- Eu retornei ao Rio para pesquisar alguma cura, pois acredito que a resposta esteja no sincretismo resultante da cultura brasileira. Ogum, no Brasil, tem o aspecto de São Jorge. E você precisa me ajudar. Eu preciso de mais tempo. Ele quer me levar de volta para a África para eu ser sua rainha, ou algo do gênero.
- Eu entendo, mas eu normalmente não me meto em briga de casal.
- Ele é perigoso. De alguma forma, ele possui poderes assombrosos. Se não pararmos ele machucará quem ele quiser.
- Olha, acho melhor você ficar naquela casa ali – Rubro Negro apontou para um apartamento – era de um amigo meu que faleceu há um ano.
- Mas eu não posso, tenho que usar a Biblioteca Nacional para pesquisar! Ele me achará aqui – ela agitou os braços.
- Ele não vai te achar. Ogum é um guerreiro, não um caçador. Agora eu meio que tenho um compromisso, então, por favor, fique aqui até eu voltar. Prometo que pensaremos juntos num jeito de tu continuar sua pesquisa.
Assim, Rubro Negro saiu dali. Ogum continuava andando pelas ruas do centro. As pessoas o olhavam de esgueira. Era um homem muito esquisito e chamava alguma atenção. Mas todos o tomavam apenas como um homem fantasiado. De alguma forma, Ogum sentia a presença de Rubro Negro. Era como se ele pudesse sentir a energia sobre-humana que envolvia o vigilante mascarado. Dessa forma, depois de algumas horas, não foi difícil achar o esconderijo onde Jéssica estava.
Arrebentando a porta do antigo e abandonado apartamento de Roberto, o jovem que deveria ter sido capturado e servido de cobaia para os experimentos de Gabriel Soares, a mando do traficante Ricardinho, Ogum não encontrou ninguém. Jéssica não estava lá.
Arthur e Sofia se encontraram nas portas do belo Teatro Municipal do Rio de Janeiro. A entrada custou alguns almoços de Arthur, mas valeria a pena acompanhar Sofia. Ele sentia que hoje, talvez, pudesse se aproximar mais dela.
A peça foi interessante, Sofia adorou. Entretanto, Arthur bocejou várias vezes. Não era seu tipo de diversão favorita. De repente, Ogum entrou pelas portas, derrubando alguns seguranças. As pessoas da platéia se ergueram amedrontadas e o pânico foi instaurado. Ogum clamava em desafio para Rubro Negro.
“Como ele sabe que estou aqui? Que merda! Mais um que sabe da minha identidade secreta? Impossível, eu tomei cuidado ao me trocar!” Entretanto, Ogum passou no meio da platéia, em direção ao palco. Sequer virou viu Arthur. “Maravilha, ele sabe que estou aqui, mas não sabe quem sou eu. Ótimo. Vou me trocar e espero que Sofia me perdoe depois”.
Sofia olhou para os lados, em meio a platéia se acotovelando para sair dali e não viu mais Arthur.
- Rubro Negro, eu sei que está aqui. Vamos, apareça. Eu te desafio a um duelo.
Rubro Negro apareceu entre as cadeiras suspensas, no segundo andar.
- Ei, deus da guerra, estou aqui!
Ogum saltou como nunca. Era quase um vôo. Rubro Negro se surpreendeu e teve que desviar de um chute que tinha endereço certo. O herói mascarado, então, pulou para fora do Teatro, aterrissando nas escadas. Ogum o seguiu gritando:
- Onde está Jéssica? Onde está minha mulher? Pare de fugir, seu covarde!
Rubro Negro parou de correr de Ogum, virando o corpo na direção dele. Foi um movimento inesperado e pegou Ogum de surpresa. Rubro Negro desferiu um grande soco em seu queixo, depois encaixou uma seqüência de um chute no estômago e uma cotovelada na nuca. Ogum tonteou em zigue-zague.
- Você não é um deus porra nenhuma. – Rubro Negro preparou sua rajada de energia, quando Ogum agarrou seu pescoço e segurou uma de suas mãos, apertando seu pulso. Rubro Negro se sufocava e não conseguia concentrar em sua rajada de plasma.
- Você tem 24 horas para me trazer Jéssica de volta. Ou irei provocar uma grande desgraça sobre você e sua família. Ela saberá onde me encontrar.
Rubro Negro foi solto, jogado de cabeça nas escadas da entrada do teatro. Quando se virou, com sangue escorrendo pela lateral do rosto, não encontrou mais Ogum. Socando o chão, ele se levantou irado.
“O desgraçado é muito forte. E começo a acreditar que ele é capaz de fazer uma macumba daquelas. Merda!” Rubro Negro correu dali, em direção ao apartamento onde havia deixado Jéssica. Depois de alguns minutos correndo pelas ruas, dividindo espaço com carros, ele chegou ao apartamento de Roberto. Jéssica não estava lá.
Praguejando e xingando bastante, Rubro Negro ficou no terraço daquele prédio por algum tempo, pensando no que fazer.
“Agora tenho que achar aquela mulher e esse negão desgraçado. Onde ela se meteu?” O herói mascarado não sabia por onde começar. A Biblioteca Nacional estava fechada naquele momento. Onde ela teria ido?
“Estou fazendo tudo errado. Não tenho que procurá-la, tenho que achar o esconderijo de Ogum e prendê-lo. Ele disse que Jéssica saberia onde encontrá-lo, isso quer dizer que pode ser um lugar romântico deles ou um lugar que tenha algum significado relacionado a Ogum ou orixás.”
Rubro Negro viu que alguns curiosos que voltavam da noitada tiravam fotos com celulares. Ele estava sentado na beirada do terraço com o queixo apoiado em seu punho fechado. Ele acenou para aquelas pessoas e deu um sorriso amigável. Um dos curiosos fez um gesto obsceno. Uma mulher fez o sinal da cruz. Rubro Negro, então, teve uma idéia.

Ogum estava dentro de uma construção similar a um canteiro de igreja. Tinha paredes brancas, teto acinzentado. Pessoas vestindo roupas brancas com todos os tipos de apetrechos religiosos de candomblé estavam em circulo, assustados. Aparentemente, Ogum não era realmente quem dizia ser. Achavam aquele homem lunático por se achar ser uma divindade. Viam até como desrespeitoso.
Enquanto ele gritava a todos que era hora de que seus seguidores voltassem para a África, um absurdo para os ouvidos daqueles devotos, Jéssica apareceu pela porta da frente.
- Enfim, você veio. Entendeu o seu destino ao meu lado. Juntos, guerrearemos na nossa terra.
- Não, Rodolfo, eu trouxe uma forma de impedi-lo em sua loucura.
- Não me chame de Rodolfo! Eu sou Ogum, o deus da guerra!
- E eu sou o Rei da Inglaterra – Rubro Negro surgia por uma das janelas daquele templo de candomblé. Era um terreiro, a maior da cidade.
- Rubro Negro, não é? Eu sabia que vinha. Esteja preparado, pois iremos guerrear pela verdade.
- Por mim, tá ótimo – Rubro Negro mostrou apreensão, pois seu adversário era muito forte e, pelo visto, lutariam como uma espécie de ritual, cercado por gente inocente. E não queria também danificar aquele lugar de fé para tantas pessoas.
Os dois correram um na direção do outro. Rubro Negro deu o primeiro golpe, um soco, mas Ogum desviou para o lado. Colocou as mãos para trás e deu uma cambalhota, erguendo os pés e chutando o rosto do herói mascarado. Rubro Negro se afastou um pouco. Ogum avançou girando o corpo e erguendo a perna direita. Eram chutes rápidos e precisos. Rubro Negro erguia os braços e abaixava a cabeça. Protegia-se como podia.
Então, Rubro Negro viu uma brecha entre os chutes e os rodopios de seu adversário. Esticou o braço e deu um soco bem dado no estômago de Ogum. Ele caiu desequilibrado. Rubro Negro saltou sobre ele e os dois se agarraram no chão, girando para os lados. O herói mascarado ficou por cima em um momento e desferiu um grande soco no rosto de seu adversário. Ele ficou tonto, dando chances para Rubro Negro continuar a dar mais socos. Porém, Ogum usou sua força para voltar a girar sobre Rubro Negro. Por baixo, ele recebeu vários socos na cara. O sangue escorria farto pelo rosto do Rubro Negro, cheio de escoriações.
As pessoas a volta de Ogum faziam caretas, começavam a se revoltar. Jéssica gritou:
- Pare com isso, Rodolfo! Esse não é você! Você não o deus da guerra!
As pessoas começaram a entrar no coro de Jéssica e gritaram para que ele parasse de espancar o Rubro Negro. O herói mascarado tinha uma visão embaçada pela máscara toda torta e pelos olhos roxos. Ogum parou de bater por um momento, pois aquelas palavras o deixaram irritado.
- Homens de pouca fé!
Rubro Negro aproveitou e encaixou um soco na têmpora de Ogum, o tirando de cima de si. Erguendo-se com dificuldade, Rubro Negro sorria com sua cara amarrotada. Jéssica viu um fio de esperança ao ver o herói mascarado de pé.
- A espada dele. Você precisa destruir a espada dele. Acredito que assim ele voltará ao normal. Mas você terá que destruir pedindo por São Jorge.
Rubro Negro fez uma careta. Ele não era um homem de fé e tudo aquilo que acontecia naquela noite estava além do bizarro para sua imaginação. Olhando para os lados, ele viu um pequeno altar com uma espada decorativa, representando a espada de Ogum. Quando virou seu corpo para ir até o altar, sentiu um chute nas costas. Voando sobre várias cadeiras, Rubro Negro se afastou de seu objetivo.
- Merda, cara. Esse chutinho não doeu nada. – Rubro Negro se levantava sentido suas costas doerem como nunca. Ogum se enfureceu e correu na direção do Rubro Negro.
“Na mosca.” O vigilante mascarado desviou de um chute de seu adversário e o agarrou aproveitando a brecha. Usou toda sua força e manteve Ogum preso. Rubro Negro concentrou-se gritando.
- Saiam daqui agora!
As pessoas começaram a fugir. Ogum começou a se soltar. Assim que a última pessoa saiu, Rubro Negro gritou:
- Me ajuda São Jorge! – em seguida explodiu sua energia de plasma em tudo a sua volta. Cadeiras e altar foram destruídos. A estrutura do templo foi abalada, mas não ruiu. Ogum estava desacordado e sua espada destruída.

Arthur terminava o telefonema com Sofia se desculpando por ter ido embora e a deixado sozinha no teatro. Não teve muito êxito. Decidiu que deveria pensar nisso depois, pois tinha muito trabalho pra fazer.
Ficou lembrando de sua vitória sobre a lenda ou mito que se fez verdade. Rodolfo voltou ao normal depois da destruição da espada. Ficou tentando imaginar como seu professor Cardoso havia se transformado em Lobisomem e percebeu que havia realmente alguma mágica no mundo.

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