domingo, 20 de junho de 2010

Rubro Negro #0 - Prelúdio


Era uma noite no Rio de Janeiro.
O Rubro Negro andava pelas sombras das grandes construções do estilo potuguês dos séculos de colonização no centro da cidade. Seguia sorrateiramente um homem que corria desesperado. Ele vestia roupas sujas e um boné surrado. Era um homem pobre, da cor do preconceito. O Rubro Negro o observava, sabia que aquele homem desesperado era importante naquele momento.
Aquelas ruelas tinham o chão de pedra, bastante cumpridas, mas estreitas. A luz da noite era convidativa às sombras. Era dia de semana, por isso, eram ruelas desertas. Súbito, ele ouviu barulho de pneus em atrito com o asfalto. Um barulho de freio. Em seguida, sirenes. Dois policiais em seus uniformes acizentados e coletes a prova de bala sacaram suas pistolas gritando agressivamente. O homem que corria teve seu caminho bloqueado pela viatura. Seu desespero saltou-lhe os olhos e ele se ajoelhou.
- Por favor, não me matem!
- Não devia ter feito merda, seu miserável.
Um dos policiais apontou a arma para sua cabeça. O rosto do homem escorria lágrimas. Parecia o fim. Ele fechou os olhos, aguardando seu destino.
A bala jamais saiu da pistola.
Ele ouviu um som de pancada. Talvez um soco. Ouviu gemidos. Abriu os olhos e viu um homem entre ele e os dois policiais. Uma arma no chão e o policial desarmado segurando sua mão, sofrendo de dor.
- Vazem, ou terei que matá-los. - Disse com autoridade aquela figura estranha.
O Rubro Negro já era uma lenda urbana, contada por mendigos, dita para amedrontar as pessoas. Algumas diziam que ele estava a serviço de traficantes, era um marginal. Outros o viam como um herói que espancava bandidos. Mas todos temiam de alguma forma provar a veracidade da existência dele.
Vestindo uma camisa sem mangas com listras horizontais vermelhas e pretas, ombreiras de metal, luvas de borracha e botas militares negras. O que mais chamava a atenção e que povoava a imaginação dessa lenda era seu anonimato. Pois o Rubro Negro tinha uma máscara de pano vermelho, rudimentar, amarrada na nuca. Seus olhos eram ocultos por lentes brancas opacas especiais.
O outro policial estava incrédulo no que via. Era um maluco fantasiado? Ou era realmente a lenda urbana se tornando verdade diante de seus olhos? Lembrou-se que tinha uma arma em mãos e mesmo que o tal Rubro Negro fosse um homem de estatura mediana e corpo massivo de músculos, não estava de colete a prova de balas. Atirou no peito, para matar.
O Rubro Negro não mudou sua expressão determinada e autoritária. Inclinou a cabeça para ver o buraco em sua camisa. Não havia sangue, não havia ferimento. O policial se arrependia do tiro que havia dado. O outro correu para o carro xingando. O homem que o Rubro Negro salvara estava no chão, com olhos saltando o orifício ocular. O Rubro Negro virou o rosto para ele e deu um sorriso.
- Se safou dessa, cara.
O homem não sabia se corria ou se agradecia. Num misto de emoções, chorava preocupado, sorria por estar vivo. Então, levou um soco no nariz a desmaiou.

***


"Essa vida é foda. Ninguém sabe ou liga para suas intenções. Eu sou o alvo da vez, o bandido a ser combatido, a ameaça que tentará unir a classe média."
O Rubro Negro estava sentado, tomando um refrigerante, na Praça XV. O homem que salvara era Manoel da Costa, um bandido de quinta categoria. Ele acordou com o nariz formigando.
- Vai me matar?
- Só teria a perder com isso.
- Então, por que me salvou?
- Não se faça de desentendido.
- Tu vai me matar depois que eu te contar o que ouvi?
O Rubro Negro estreitou os olhos, encarando Manoel. Não dava para saber se ele estava irritado ou irônico. A voz da lenda urbana era sem pressa, mas interessada.
- Apesar de tu ser um bandido zé ruela, vai acabar preso por policiais de verdade e não por estes lacaios de Ricardinho.
- Então você é real, cara. - Manoel agora tinha alguma admiração no olhar.
- Se sou a cobaia daquele traficante maldito? Sim. E vou voltar pra ele quando souber onde ele se esconde.
- Se tu subir o morro, tu vai morrer. - Manoel parecia não querer isso.
Rubro Negro sorriu.
- Por isso que tu existe, caro Manoel. Tu vai me dar as informações que eu quero.
- Como você sabe tanto? Aposto que tu é um cara do morro, ligado nas paradas.
Um sorriso acompanhado de um riso sarcástico. O Rubro Negro parecia satisfeito com a imaginação de Manoel.
- Tenho minhas fontes. Agora me fala. Aonde Ricardinho vai estar?
- No Alemão, Vila Cruzeiro. Domingo agora.
- Valeu.
O Rubro Negro sentiu-se ansioso para reencontrar aquele que mudou sua vida.

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