quarta-feira, 23 de junho de 2010

Rubro Negro #2 - O Inferno do Diabo


Era noite de fim de semana do Rio de Janeiro.
Arthur e Sofia voltavam de uma sessão de cinema do Rio Sul Shopping Center. Sofia era uma garota filha de pais muito ricos, que moravam no Leblon. Era loira e tinha belos olhos verdes. Arthur tinha segundas intenções claras. Fazia tempo que gostava dela, mas somente depois de decidir se tornar um vigilante mascarado que tomou coragem. As coisas mundanas ficam mais fáceis quando se arrisca a vida todo dia. Entretanto, a jovem moça não parecia interessada nele.
- Não me leve a mal, Arthur, mas não é o melhor momento para mim.
- Ah, tudo bem. – na verdade, nada estava bem. Detestando o fora que levava, deixou a garota em seu prédio, no Leblon. Foi até um beco escuro e vestiu seu uniforme de Rubro Negro.
Ele estava costurado em vários pontos, graças à última luta contra seu professor transformado em Lobisomem. Ficou contente por suas ombreiras de metal não terem sido aranhadas ou amassadas, pois seria um trabalho muito maior arrumá-las. Então ele ouviu uma explosão por perto. Se aproximando furtivamente, ele viu uma agência do Banco Itaú, na avenida Ataulfo de Paiva com as vidraças quebradas. Saindo de lá, quatro homens armados e com máscaras em direção a um furgão.
- Parece que isso não vai dar em nada. – o Rubro Negro se postava de braços cruzados, encostado no furgão. As pessoas corriam para se esconder daquela situação.
Os homens sacaram suas pistolas e dispararam uma saraivada de tiros. Muito barulho, em breve a polícia apareceria. O Rubro Negro estava parado no mesmo lugar, com alguns furos no uniforme e um buraco minúsculo na ombreira direita. Olhou irritado para os homens mascarados.
- Não sabe o trabalho que dá pra costurar isso?
Ele correu na direção deles saltando. Um chute na cabeça de um dos mascarados foi o suficiente para nocauteá-lo. Os outros estavam atônitos demais com a incapacidade de suas armas frente a um homem. O Rubro Negro aproveitou esse momento e distribuiu bordoadas para todos os lados, sem critério ou técnica. No fim, todos estavam beijando o asfalto. A polícia se aproximava.
- Que vocês se fodam muito. – Correu para outra rua, ocultando-se na escuridão.

No dia seguinte, Arthur foi acordado por seu pai.
- Bom dia, dorminhoco. Já é segunda-feira. Já leu o jornal?
Ainda confuso com o sono, pegou o Jornal do Brasil que seu pai comprava toda segunda-feira. Havia uma foto do Rubro Negro de braços cruzados, frente a um furgão. O sorriso de orgulho foi interrompido quando leu a manchete: “Rubro Negro assalta agência de banco”.
- Mas que diabos?
- Parece que esse bandido roubou um banco ontem de noite, perto da rua onde mora a sua colega de faculdade. Você viu alguma coisa?
- É verdade, mas não vi nada não...
Como poderia ser? Arthur se perguntava enquanto comia seu pão matinal. Aparentemente, alguém roubou o dinheiro depois que ele deixou aqueles homens mascarados desacordados no chão. E a reportagem piorava. O dinheiro roubado estava em uma caixa forte do deputado federal Aloísio Mendonça. Ele criticava duramente a polícia pela lentidão em prender o criminoso mascarado que se denominava Rubro Negro.
- Maldito político... ele vai ver só. – falou para si, amassando o jornal.

Na Barra da Tijuca, em um apartamento de classe alta, morava o deputado estadual Aloísio Mendonça. Gordo, tinha os olhos miúdos e um grande nariz. Bochechas rosadas e cabeços escassos coroavam sua aparência de prosperidade. Ele jantava com sua família, enquanto pensava em seus negócios. Levantou-se e foi numa outra sala para atender um telefone. Assim que terminou de conversar, sentiu um vento frio entrar pela enorme varanda. Quando olhou, viu o Rubro Negro de braços cruzados, com roupa cheia de furos e uma ombreira danificada.
- Então eu sou um bandido? É isso?
- Mas o que? Saia já daqui! Vou chamar a polícia.
- Pois pode chamar, seu saco de merda. Quero te avisar que eu não roubei nada. Eu protegi sua preciosa propriedade privada, seu monte de estrume. Da próxima vez não vou fazer porra nenhuma, entendeu? Se continuar me caluniando, tu vai ver só.
- Pode me ameaçar, mas a mim você não engana, rapazinho. Pensa que me põe medo com essa máscara ridícula? Você é um moleque e eu vou te por na cadeia por ter me roubado.
- Quem dera eu tivesse roubado. Agora fique na sua. Fui.
Deu as costas e pulou a janela. O deputado limpou o suor da testa. Tremia de medo e não sabia como tinha conseguido se impor daquela forma a um terrorista. Pegou o telefone e decidiu que era hora de fazer algo a mais.

“É foda. Eu mereço. Isso que dá ficar perto de banco. Bando de ladrões e eu ainda fui idiota em impedir aquele assalto. Acho que não impedi muito bem também. Esse deputado é foda. Acho que fiz merda em vir. Ele não ficou intimidado como achei que ficaria. Acho que ele vai tentar me foder. Merda.” Pensava, enquanto corria até um buraco onde pudesse trocar de roupa e voltar pra casa. Amanhã teria prova.

No Laboratório Pró-Genética, no Jardim Botânico, o deputado Aloísio Mendonça conversava com o geneticista renomado Rogério Koerich. Ele mostrou suas credenciais ao deputado, pois queria o dinheiro que receberia para fazer o desejo do deputado.
- Eu trabalhei com o desaparecido doutor Gabriel Soares. Descobrimos como recombinar o código genético de seres humanos, mas eu era totalmente contra. Ele largou o laboratório e foi embora. Nunca mais o vi.
- Estou certo, nobre cientista, que você mudou de idéia, não é? Afinal, a empresa não vai bem, as pesquisas não são tão boas, não é? Mas eu sou seu amigo. E como um bom amigo, posso te ajudar a sair desse buraco. Tudo que peço em troca é que modifique geneticamente esta cobaia e o use contra o Rubro Negro.
- Deixo claro que só aceito fazer isso porque preciso do dinheiro...
- Eu entendo. Ninguém saberá de nós. Não iremos querer publicidade, não é mesmo? Mas faremos um bem à sociedade pondo um fim naquele vigilante mascarado.
Entrou na sala um homem negro, corpulento, cabelos raspados, olhos negros. Expressava no rosto alguém que não tinha nada a perder. Danilo Cunha era um traficante de alta periculosidade que tinha negócios escusos com o deputado. Ele garantiu que faria o que quisessem em troca de imunidade total na favela onde morava. Sentando na cadeira de testes, recebeu a radiação similar que o Rubro Negro havia recebido, tempos atrás.

Noite seguinte, o Rubro Negro estava nas sobras debaixo de uma ponte, numa praça suja, dividindo o espaço com alguns mendigos. Comia um sanduíche podrão despreocupadamente. Aquela noite estava começando.
“Que saco, tenho que fazer três seminários, ir à Biblioteca Nacional para pegar livros pra bolsa de estudos e ainda tô na estaca zero com a Sofia. Queria que meu poder de regeneração pudesse aliviar minha dor de cabeça agora.” Pensava enquanto saboreava seu sanduíche de procedência duvidosa daquela noite.
Subitamente, viu um carro voando em sua direção. Era uma viatura policial que se deslocava no ar. O Rubro Negro viu aquilo em câmera lenta, com a boca ainda cheia. Teve tempo somente de saltar para o lado, batendo a cabeça no concreto de um banco. O carro estatelou no chão e explodiu. Os mendigos acordaram e correram, mas um deles ficou preso. Sem tempo pra saber o que estava acontecendo, ele ergueu o pesado pedaço de concreto com facilidade e tirou o homem do chão. Ele correu desesperado.
- Um “obrigado” seria bem vindo, heim. – Gritou. Antes que pudesse olhar para os lados, sentiu uma dor de contusão na costela. Rangeu os dentes e foi arremessado ao chão. Agora ele via o que o atingira.
Era um homem alto, negro. Usava roupas vermelho-escuras coladas ao corpo delineando seus músculos. Tinha braceletes e botas de metal, grandes e pesados. O que mais chamava atenção eram seus chifres curvados para trás na máscara vermelha.
- Que porra é essa? – O Rubro Negro levantou-se rapidamente, saltando para trás. Não acreditava no que via.
- Eu sou o Diabo. E eu vim lhe mandar para o inferno. – Riu irônico. Saltou à frente e reduziu a distância entre o Rubro Negro e ele. Girou o corpo no ar e deu um grande soco. Porém, o vigilante mascarado aparou o golpe com as duas mãos. Ambos eram muito fortes, mas o “Diabo” parecia ser ligeiramente mais forte.
- Putamerda! E de onde você veio? – perguntou dando um soco no rosto de seu adversário, aproveitando a proximidade. Ele se afastou depois do soco recebido.
O Diabo apenas escancarou o sorriso com a pergunta do Rubro Negro.
- Ah, ta certo. “Do inferno”, tu vai me dizer. Desculpe se não sou religioso.
- Não interessa quem me deu esses poderes. Eu só preciso te matar.
O Rubro Negro sorriu.
- Então, vem.
Os dois correram em direções opostas e se chocaram. O Diabo usou suas mãos para agarrar os ombros do Rubro Negro, segurá-lo de alguma forma. O Rubro Negro segurou os braços de seu adversário, tentando impedi-lo. O Diabo era mais forte e sua pressão sobre o vigilante mascarado fez com que ele sentisse muita dor.
Usando as pernas, Rubro Negro chutou a lateral do joelho do Diabo, que fraquejou em sua manobra de apresamento. Com isso, o herói pôde se desvencilhar aplicando uma seqüência de socos no peito de seu adversário. O Diabo nada pode fazer a não ser receber a saraivada de socos.
- Você não é muito bom. Não merece carregar o nome de um bicho tão do mau.
- Achei que não fosse religioso.
O Diabo saltou em sua direção com os braços abertos. O Rubro Negro o recebeu com um soco pra cima, acertando o queixo. O Diabo sorriu para ele. Nesse momento, o Rubro Negro percebeu que ele não sangrava, sequer ficava escoriado.
- Entendeu agora? Além de ser forte, nada pode me ferir.
- Saquei. Mas eu duvido.
O Diabo não deu tempo de reação para o Rubro Negro. Correu em sua direção e deu um chute em seu estômago. Depois, um soco com os dois punhos fechados e juntos, de cima pra baixo, aproveitando o corpo arqueado do herói. O Rubro Negro beijou o chão. Se levantando lentamente dos poderosos golpes, o herói estava aturdido. O Diabo aproveitou e pegou uma parte da carcaça do carro destruído e jogou. O Rubro Negro não teve como desviar. Atingido, ficou no chão, preso nas ferrugens e aparentemente desacordado.

Aplausos. Se aproximando daquele cenário desolado de destruição, o deputado Aloísio Mendonça se aproximava com seus cinco seguranças armados.
- Muito bem, Danilo. Agora, antes de matá-lo, tire sua máscara. Quero ver quem é esse petulante.
- Eu não sou Danilo.
O traficante Danilo observava com olhos de maldade para o deputado Aloísio. De alguma forma, ele estava diferente. Não era o mesmo lacaio que obedecia todas as ordens sem questionar. Ele parecia ter planos próprios. Planos de pura maldade sem sentido. Seu codinome subiu sua cabeça. Seus poderes o enlouqueceram. Ele caminhou em direção ao deputado.
- Chegou a sua hora de sofrer em minhas mãos, deputado...
Os seguranças atiraram, mas não arranharam o ex-traficante. O deputado deu ordens para matá-lo e correu para seu carro. Em sua fuga desesperada, pôde ouvir tiros e gemidos de seus seguranças sendo massacrados um a um.

O deputado Aloísio Mendonça estava pessimista. Pensava em mil maneiras que seu ex-capanga poderia acabar com sua carreira lucrativa na política. E pior, pensava que sua vida poderia estar em perigo. Dirigiu àquela hora mesmo para o Laboratório Pró-Genética, ligando para o cientista Rogério Koerich.
- Precisamos pensar em algo para parar esse idiota! Ele quer me matar!
- Já estou a caminho.
Enquanto isso, o Rubro Negro recuperava a consciência lentamente. Aos poucos, sentiu seu corpo preso às ferragens da carcaça da viatura da polícia. Ouviu sirenes se aproximando. Esperou mais um pouco até que seus ferimentos mais graves sumissem para poder usar sua força e sair dali. Não viu mais o Diabo e não sabia por onde começar a caçá-lo.

No Laboratório, o deputado e o cientista bradavam por soluções. Até que ouviram uma risada maligna. Era o Diabo chegando. Eles tentaram correr para a saída de emergência, mas acabaram esbarrando com seu algoz fora dali os encurralando.
- Hora do juízo final, deputado. – Com um tapa, o cientista bate a cabeça no chão e morre. Com os braços, o Diabo agarra o deputado o deixa inconsciente com um apertão.

O Rubro Negro escondeu seu uniforme debaixo de uma jaqueta e calça jeans. Suas ombreiras de metal ele guardou na mochila que estava escondida num ponto escondido e pegou um ônibus para chegar em casa logo. Ansioso, tentaria conseguir alguma informação pesquisando pela internet. Meia hora depois, era recebido por sua mãe ainda acordada. Depois de inventar que estava voltando da casa de um amigo, foi para o quarto e se fechou lá.
- Hora de pesquisar.
Mas sua mãe foi insistente. Abriu a porta e lhe disse que precisaria que ele estivesse em casa por aquela hora da noite, pois receberiam a visita de uma amiga de São Paulo que traria sua filha. Sua mãe queria que Arthur deixasse a menina confortável. Respondendo sem paciência, ele dispensou sua mãe confirmando que estaria em casa. Depois, voltando à internet, pesquisou sites de laboratórios que mexiam com genética. Encontrou alguns nomes para começar. Porém, de televisão ligada, o noticiário interrompeu a programação normal. Um homem louco em uma fantasia demoníaca estava ameaçando a vida do deputado Aloísio Mendonça.
- Porra, vou ter que salvar a vida desse cuzão?

O Diabo estava frente a todos aqueles presos na Delegacia Policial do Catete, a 9ª DP. Policiais feridos estavam no chão se retorcendo. O deputado choramingava em frente à sua criação. Os presos se entreolhavam, sem entender o que acontecia.
- Eu vim aqui para libertá-los, porque vocês alimentam meu poder. Saiam daqui, cometam seus crimes – olhou para o deputado – e você saiba que é o culpado disso.
Do lado de fora, outras equipes policiais começavam a chegar. A imprensa estava lá também. Logo, uma multidão de pessoas tornava a saída praticamente impossível. Por isso, o Diabo apareceu em frente à porta. Carregava o deputado Aloísio Mendonça pelo pescoço. O erguia como se aquele homem rechonchudo pesasse nada.
- Abram espaço, ou este homem morrerá. Uma nova era de ruindade se espalhará pelo Rio de Janeiro.
Súbito, um raio de energia vermelha surgiu vindo de um prédio de baixa altura, vizinho à delegacia. Atingiu as costas do Diabo. O vilão e o deputado rolaram as escadarias. Alguns gritos das pessoas curiosas por ali, da polícia que não agia e da imprensa que, num furor sem precedentes, noticiava tudo. Então, o Rubro Negro saltou sobre seu adversário. Alguns reconheceram aquele homem mascarado que lutou contra um homem-fera, dias atrás.

Diabo e Rubro Negro embolaram na pancadaria. A polícia não se movia. Mas o político se moveu rapidamente, correndo para longe. Rubro Negro afastou aquela disputa embolada com um chute poderoso no estômago de seu adversário. Ele emitiu um ruído de dor pela primeira vez. Sabendo que aquele vilão tinha muita resistência a seus socos – que já eram muito fortes – decidiu que era hora de usar seu maior poder. Ele concentrou em suas mãos a energia de plasma vermelho. Diabo correu em sua direção preparando um grande golpe, mas antes que conseguisse chegar, Rubro Negro disparou sua rajada que o acertou em cheio.
Voando alguns metros, caiu sobre uma viatura de polícia amassando-a totalmente. Parecia estar tonto, mas pronto pra outra. Então, querendo evitar o prolongamento daquela luta, Rubro Negro gritou para que todos afastassem. Disparou outra rajada de plasma que fez a viatura explodir. Na carcaça, estava Diabo, desacordado.
A polícia, então, resolveu agir. Alguns foram para cima do vigilante mascarado exigindo rendição. Outros foram conter Diabo com várias algemas.
- Melhor vocês usarem algo mais difícil de quebrar que uma algeminha. – Dito isso, ele correu para longe. Alguns policiais foram atrás dele, mas ele conseguiu despistá-los. Trocou de roupa e decidiu que já tinha acabado naquela noite.

No dia seguinte, na aula, Sofia disse que havia pensado que havia sido muito dura com Arthur. Esperançoso, o rapaz decidiu tentar convidá-la para um cinema novamente. Ela foi evasiva e disse que não podia. Com mais uma bola fora, ele foi pra Biblioteca Nacional continuar seus estudos da bolsa de pesquisa. Descobriu que o professor Cardoso já estava lecionando novamente e, aparentemente, sem problemas. O segredo dele estava guardado com Arthur e com o Rubro Negro.
Outros pensamentos passavam pela cabeça do jovem: quem era aquele Diabo? Como ele ganhou aqueles poderes? Teriam sido da mesma forma que ele? Será que ele enlouqueceu achando que era o diabo em pessoa? Será que Arthur também ficaria louco?

Nenhum comentário: