
Arthur estava em casa sentindo dores nas costelas. Olhou-se no espelho e percebeu que o roxo havia diminuído. Felizmente, seu poder de regeneração recuperar ossos quebrados. O maior dos problemas estava resolvido, porém havia a questão do uniforme. Sua roupa fora destruída na luta contra o Andróide insano.
Na sala, vendo televisão com os pais, viu as notícias: um acidente explodiu um andar do prédio da empresa de Francisco Heiner, mas ninguém se feriu.
“Maravilha. Apesar de não falarem desse maldito robô e de sua destruição no IFCS, também não culparam o Rubro Negro de nada”.
O jornal seguia com a notícia de que o Rubro Negro havia atacado o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais e destruído seu prédio.
- Esse Rubro Negro parece que é um bandido que quer apenas aparecer. – o comentário de sua mãe Bianca pareceu um soco no estômago.
- Um marginal. Ainda bem que você escapou, filho. – seu pai Luis Fernando olhava para Arthur com preocupação.
O jovem universitário apenas assentiu com a cabeça, tentando esconder uma careta. Já era muito ruim ter perdido aquele prédio, mas levar a culpa era o fim da picada.
Uma semana depois, em algum lugar secreto, o cientista João Barreto, filho do inventor do andróide D-100, estava soldando metais. Ouviu gritos e gemidos desesperados não muito longe dali.
Era difícil ignorar aquilo, mas tinha motivação suficiente para se concentrar em seu trabalho. As pessoas envolvidas na morte de seu pai tinham que pagar.
A porta se abriu, entrou Ricardinho, sujo de sangue no rosto, na camisa e nas mãos. Ele vestia um casaco de bacana, tênis da última moda, correntes de ouro. Seu rosto era severo, possuía um cavanhaque e cabelos bem tratados, trançados.
- Como anda o trabalho?
- Avançando. – sentia-se ameaçado por trabalhar para um traficante daquele porte.
- Você me diz isso há uma semana. Quando vou ver o fruto do dinheiro que te dei?
- Não posso ser apressado.
Ricardinho pegou o colarinho de João Barreto e o ergueu do chão com extrema facilidade.
- Sou eu quem digo o que você pode ou não pode fazer. Eu te paguei, eu vou te ajudar a se vingar. Você me deve tudo, cara. Se for dar uma de vacilão, eu vou te passar o ferro. Valeu?
João foi jogado no chão. Ricardinho saiu da sala deixando o cientista em sua amargura. Odiava ser uma marionete, um capanga, um bandido. Mas tudo aquilo era justificado. Era melhor do que ver as pessoas que mataram seu pai impunes.
Enquanto isso, Arthur recebia, com desgosto, a notícia que teria que dar aulas para seu curso de Prática de Ensino. Depois da aula e da trágica notícia, encontrou Larissa, que estava enfurnada em livros na Biblioteca Nacional. Estudaram por algumas horas, até o entardecer. Ela o chamou para irem ao cinema, mas Arthur estava muito preocupado com a urgência de se fazer um novo uniforme. Então, teve a brilhante idéia de visitar pessoas do passado.
Com um casaco pesado, luvas, botas e uma máscara improvisada com outra camisa enrolada na cabeça, Arthur apareceu na Rua Álvaro Alvim, no centro. Era ali a sede de sua antiga gangue. Ele sabia os horários das reuniões e por isso não foi surpresa quando abriu a porta e viu todos reunidos.
No começo, desconfiança, todos se entreolharam e alguns soltaram alguns xingamentos.
- Eu sou o Rubro Negro. Como podem ver tô com umas dificuldades de roupa. – Sua voz era um pouco abafada pela camisa que servia como máscara.
- E como vai nos provar isso?
Rubro Negro apontou para um homem alto e largo com músculos saltando pela pequena camisa. Depois fez sinal para vir para briga. Charles era o líder da gangue naquele momento e assentiu. O homem correu pra cima do Rubro Negro e deu um soco em sua cara. O vigilante mascarado não se moveu. A mão parecia ter batido em uma liga de metal, tamanha era a resistência.
- Satisfeitos?
Todos sorriram e se dividiam em cumprimentar Rubro Negro e caçoar do homem que não conseguiu sequer mexer a cabeça dele. Depois das apresentações, Rubro Negro disse a que veio.
- Não quero participar da gangue de vocês. Eu só ajo sozinho e também sou contrário a idéia de vocês de soltar o terror pela cidade, azucrinando qualquer um. Vocês, um dia, vão perceber essa bobagem que é sair batendo em todo mundo por nada. Vão perceber que podem fazer muito mais pelas pessoas do que atrapalhar suas vidas.
Eles fizeram caretas e demonstraram insatisfação. Pareciam levar uma bronca da mãe.
- Vim aqui para pedir uma camisa com as cores daqui. Não vou negar que tenho laços com isso aqui e por isso homenageio usando suas cores. Um dia vocês saberão.
Ninguém parecia querer dar uma camisa a alguém que deu uma lição de moral. Mas o líder Charles entregou em mãos uma.
- Eu acredito em você.
Rubro Negro estava de volta. Decidiu que deveria insistir no empresário industrial Francisco Heiner. Era uma chance de atrapalhar os planos de um burguês rico e descobrir porque ele financiaria a construção de um robô para capturá-lo.
Visitando o andar que explodiu, Rubro Negro ouviu o toque de celular. Era sua mãe.
“Não podia ser mais imprópria”.
Ela dizia que sua amiga Tereza havia chegado ao Rio e estava num hotel. De noite, elas iriam sair para jantar e ele deveria levar Cecília, filha de Tereza, para algum entretenimento noturno carioca.
“Que saco”.
Desligando o celular e pondo no módulo silencioso, guardou na mochila. Começou a vasculhar o andar. Quando alguma coisa surgiu de cima, fazendo um buraco no teto. Era ninguém menos que o andróide D-100. Novinho em folha.
- Puta merda!
Rubro Negro não teve reação. Recebeu um chute no rosto que o fez girar o ar, arremessado contra ferrugens de um antigo laboratório de robótica.
- Então tu veio aqui só pra me pegar, né?
O andróide não parecia ser capaz de falar. Sua função era única: matar. Rubro Negro ergueu-se e não teve tempo de fazer nada, além de cruzar os punhos para se defender de um soco de seu adversário.
Aproveitando a proximidade, ele pôs as mãos sobre o peitoral de D-100 e concentrou sua energia. O raio de plasma disparou arremessando D-100 pra fora do prédio. Antes que Rubro Negro pudesse sentir-se aliviado, viu outro andróide entrar no prédio voando.
“Fodeu!”
Era idêntico ao anterior, exceto que no lugar de mãos, este andróide tinha duas bazucas portáteis. Disparou sobre o Rubro Negro uma seqüência de raios lasers. O vigilante mascarado pulou e saltou, mas não conseguiu desviar de todos. Alguns atingiram suas costas e sua perna direita e ele caiu do prédio.
Tentando agarrar-se em alguma coisa que não fosse a lisa superfície do prédio da Empresa Heiner, Rubro Negro pensava se conseguiria regenerar os danos de uma queda de trinta metros. Seu tempo de queda esgotou e ele encontrou o chão com violência. Sua consciência se perdeu antes que ele sentisse seus ossos partidos.
O laboratório criado por Ricardinho para João Barreto recebeu o retorno de D-100 e da mais nova criação: D-1000, um andróide com armadura aperfeiçoada e capacidade de destruição aprimorada. Ambos carregavam Rubro Negro desacordado. João Barreto mostrou os dentes, sorrindo. O primeiro estava ali sob sua mercê. Faltava o estudante Ronaldo e o empresário Francisco Heiner. João Barreto, entretanto, não sabia da ligação entre Ricardinho e o empresário.
Em sua casa, na Barra da Tijuca, Francisco Heiner tomava um drinque, distraído. Fora surpreendido pelo ataque de D-100. Tentou fugir, tentou pegar sua arma, mas era inútil.
- O que está acontecendo? Barreto, você é louco? – girava seu braço em direção à D-100 em um gesto de protesto, pois sabia que João estava monitorando de algum lugar.
Com um soco no estômago, Francisco arqueou as costas e perdeu a consciência.
Rubro Negro abriu os olhos lentamente, já imaginando que estava desmascarado. Mas não estava. Viu um homem de baixa estatura, cabelos oleosos penteados para trás e óculos de fundo de garrafa. Demorou a entender que estava com o braço preso pelo braço direito a uma algema super tecnológica. E para completar, Francisco Heiner estava preso pelo braço esquerdo à mesma algema. Ambos estavam acorrentados pela cintura, presos numa maca de metal.
- Barreto, eu não tive nada a ver com a morte de seu pai. Foi o Rubro Negro quem destruiu o andar com seus poderes – berrava Francisco.
- Cale a boca! Meu pai foi morto em conseqüência da atitude de vocês três. Você por obrigá-lo a continuar a controlar o andróide e você – apontando para Rubro Negro – por ter explodido o andar.
- Espera aí. E quem é o terceiro? – Rubro Negro olhava em todos os lados procurando mais alguém.
- Ronaldo Farias Gomes – disse João Barreto, apertando um botão em um controle remoto. D-1000 decolou imediatamente.
“É mole? Vou ter que salvar novamente esse pilantra do Ronaldo. Mas antes preciso sair daqui”.
- Eu pago o dobro para me libertar. Te dou um emprego no mais alto escalão dos cientistas da minha empresa. Nunca mais terá necessidades financeiras. Te faço um homem rico. – Francisco começava choramingar. Era algo desagradável estar do lado de um homem rico em desespero.
- Não é uma questão de dinheiro. Eu já falei: você precisa pagar com sua vida. Ambos explodirão pelos ares – com um sorriso vingativo, ele apertou um botão e D-100 agarrou a larga maca de metal e decolou levando os dois para fora dali.
Rubro Negro notou que estavam em algum ponto da Favela da Rocinha. Ficou intrigado com quem era o patrocinador daquele homem chamado Barreto. Seria Ricardinho? Antes que pudesse fazer maiores conjecturas, foi atirado na Estrada da Gávea, em meio a carros. Rubro Negro agarrou-se em Francisco Heiner e o protegeu do impacto do chão. Um carro freio forte antes de se chocar com os dois, provocando um congestionamento. Outros dois carros se chocaram por conta do caos.
- Achou que poderia nos matar nos jogando daquela altura? Aquele homem não me conhecia... – Rubro Negro ajeitava-se.
Francisco Heiner estava com leves ferimentos e um tanto aturdido. Rubro Negro tinha grandes escoriações. Olhou para o empresário com severidade.
- Eu vou salvar aquele estudante que você achou que era eu. Como estamos grudados, tu vem comigo.
- E se eu não quiser? – Francisco cruzou os braços, encarando Rubro Negro.
- Tu não tem escolha, mané. – o vigilante mascarado agarrou o empresário e o pôs nos ombros como um saco e começou a correr pelas ruas, desviando de carros, pegando atalhos em becos espalhados pela cidade. Ele sabia que teria que percorrer até Ipanema.
Ronaldo morava perto da Linha Vermelha, no Morro de São Januário. De dia era um estudante qualquer de História na Universidade Federal do Rio de Janeiro. À noite trabalhava como segurança em uma boate. Tinha uma vida dura, sustentava sua mãe doente enquanto a protegia de seu pai alcoólatra, policial aposentado. Também era membro de uma gangue de jovens que a vida deu as costas e brigava com outras gangues por pedaço de chão, por fama e por pertencimento. Essa gangue era rival da que Arthur era membro. Os dois já se enfrentaram algumas vezes, mas nunca terminavam suas disputas que se tornaram até individuais. Arthur sempre respondia à altura, mesmo ao abandonar sua gangue. Porém, depois de ganhar seus poderes, o jovem abdicou de brigar com Ronaldo. Simplesmente seria injusto demais, além de revelar sua identidade secreta.
Ele trabalhava em sua boate, em Ipanema, quando D-1000 apareceu. Houve correria, um tumulto. Ronaldo mesmo correu, pois sabia de alguma forma que era com ele. D-1000 atirava para matar. Antes que pudesse alcançar algum esconderijo, D-1000 mostrou que era mais perspicaz o encurralando.
- Robô estúpido! Tu quer brigar? Então vai ter briga! – ele avançou e deu um soco no peitoral, mas a lataria era de uma liga de metal muito dura. Ronaldo sentiu sua mão formigar de dor.
- Essa briga é de cachorro grande – Rubro Negro surgia naquele momento, dobrando a esquina, com Francisco Heiner no ombro. Ronaldo arregalou os olhos num misto de medo e raiva. D-1000 apontou uma das bazucas portáteis e atirou no vigilante mascarado. Ele conseguiu desviar, pulando sobre um carro estacionado.
- Escuta aqui, Heiner. Vou fazer uma manobra arriscada, fique parado. Não se mova nem um centímetro! – Rubro Negro desceu deixando Francisco Heiner sobre o teto do carro. O andróide voou para cima deles e disparou mais um raio laser. Dessa vez, Rubro Negro saltou esticando seu braço, tentando mirar a algema com o laser. Era um movimento arriscado.
O raio laser atingiu a algema e libertou Francisco Heiner. Rubro Negro olhou para o empresário.
- Está salvo. Agora pegue aquele segurança e fujam daqui o mais rápido possível!
Francisco correu de cima do carro e segurou Ronaldo pelo braço.
- Ouviu o que ele disse. Deixem que se matem.
Rubro Negro e João Barreto se encaravam através do andróide D-1000. Antes que pudessem agir, D-100 aterrissou próximo. O cientista apertou uma série de botões e usou sua última cartada: D-100 e D-1000 se uniram, formando um só robô.
- Puta que pariu. – Rubro Negro não teve tempo de falar mais nada. Rajadas de lasers tentaram atingi-lo, destruindo carros e fachadas de prédios próximos. À essa altura, as pessoas haviam fugido daquele lugar. O medo instaurou-se em Ipanema. Imediatamente sirenes policiais ecoaram pelas ruas.
“Bem típico aparecer a polícia bem rapidinho para proteger os ricos e a propriedade deles”.
Tentando evitar ser alvo dos tiros de lasers do andróide, Rubro Negro saltou sobre seu adversário, puxando a briga para o corpo-a-corpo. Desferia socos que pouco escoriava a lataria do andróide. João Barreto sorriu e modificou a configuração de sua criação. As bazucas se retraíram e deram espaço para punhos. O andróide revidava desferindo socos poderosos. Rubro Negro abdicou de seus socos para poder se defender. Sentia que perdia terreno. A máquina crescia pra cima dele no combate. Aquilo não poderia acabar bem. Um soco bem dado no queixo, Rubro Negro cuspiu sangue.
Então, ele decidiu medir forças. Segurou o punho direito e o braço esquerdo do andróide. Usou toda sua força para prender os movimentos e os ataques do andróide. O suor escorria de sua máscara, as veias saltavam-lhe os músculos. Tremendo esforço em manter o andróide imobilizado. Estava dando certo, mas logo ele iria cansar.
Rubro Negro usou as pernas e chutou a lateral do joelho. Não foi um chute forte, pois concentrava sua força nos braços. Decidido a arriscar um chute mais forte, o vigilante mascarado deixou livres os braços do andróide e desferiu um poderoso ataque. Dessa vez, entornou a junção mecânica protegida pelo metal. O andróide vacilou em seu equilíbrio o que foi muito bem aproveitado. Rubro Negro socou com violência a cabeça, quebrando a câmera que dava visualização à João Barreto. Desnorteado, o andróide cambaleou.
Concentrando sua energia nas mãos, Rubro Negro apenas apontou e atirou. O andróide voou muitos metros, despedaçando-se no percurso, só aterrissando perto de uma viatura da polícia.
Havia várias viaturas, vários policiais armados. Até o BOPE havia sido chamado. Todos apontaram suas armas para Rubro Negro. Alguém com alto-falante berrou:
- Renda-se ou atiraremos.
Rubro Negro fez um gesto obsceno para eles e correu dali para o bueiro mais próximo. Foi alvo de tiros, mas nenhum acertou, pois ele possuía uma velocidade sobre-humana.
Chegando em casa, Arthur não tinha nenhuma escoriação, graças à sua regeneração. Eram quase onze horas da noite e sua mãe estava com roupas de quem acabava de chegar da rua. Seu pai já estava dormindo.
- Você esqueceu o que combinamos, mocinho? Cecília teve que nos acompanhar. Deve ter sido muito chato para ela.
- Desculpa, mãe, esqueci completamente. – Arthur estava cansado de seu dia cheio, só queria dormir.
Sua mãe mostrou a câmera digital para ele.
- Pelo menos veja como nos divertimos. Tiramos fotos.
Decidiu que não tinha forças para discutir. Viu as fotos e percebeu como Cecília era uma menina bonita. Morena, olhos castanhos e vestia-se em roupas caras. Uma patricinha de São Paulo.
“Acho que não será tão ruim sair com ela...”
Na sala, vendo televisão com os pais, viu as notícias: um acidente explodiu um andar do prédio da empresa de Francisco Heiner, mas ninguém se feriu.
“Maravilha. Apesar de não falarem desse maldito robô e de sua destruição no IFCS, também não culparam o Rubro Negro de nada”.
O jornal seguia com a notícia de que o Rubro Negro havia atacado o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais e destruído seu prédio.
- Esse Rubro Negro parece que é um bandido que quer apenas aparecer. – o comentário de sua mãe Bianca pareceu um soco no estômago.
- Um marginal. Ainda bem que você escapou, filho. – seu pai Luis Fernando olhava para Arthur com preocupação.
O jovem universitário apenas assentiu com a cabeça, tentando esconder uma careta. Já era muito ruim ter perdido aquele prédio, mas levar a culpa era o fim da picada.
Uma semana depois, em algum lugar secreto, o cientista João Barreto, filho do inventor do andróide D-100, estava soldando metais. Ouviu gritos e gemidos desesperados não muito longe dali.
Era difícil ignorar aquilo, mas tinha motivação suficiente para se concentrar em seu trabalho. As pessoas envolvidas na morte de seu pai tinham que pagar.
A porta se abriu, entrou Ricardinho, sujo de sangue no rosto, na camisa e nas mãos. Ele vestia um casaco de bacana, tênis da última moda, correntes de ouro. Seu rosto era severo, possuía um cavanhaque e cabelos bem tratados, trançados.
- Como anda o trabalho?
- Avançando. – sentia-se ameaçado por trabalhar para um traficante daquele porte.
- Você me diz isso há uma semana. Quando vou ver o fruto do dinheiro que te dei?
- Não posso ser apressado.
Ricardinho pegou o colarinho de João Barreto e o ergueu do chão com extrema facilidade.
- Sou eu quem digo o que você pode ou não pode fazer. Eu te paguei, eu vou te ajudar a se vingar. Você me deve tudo, cara. Se for dar uma de vacilão, eu vou te passar o ferro. Valeu?
João foi jogado no chão. Ricardinho saiu da sala deixando o cientista em sua amargura. Odiava ser uma marionete, um capanga, um bandido. Mas tudo aquilo era justificado. Era melhor do que ver as pessoas que mataram seu pai impunes.
Enquanto isso, Arthur recebia, com desgosto, a notícia que teria que dar aulas para seu curso de Prática de Ensino. Depois da aula e da trágica notícia, encontrou Larissa, que estava enfurnada em livros na Biblioteca Nacional. Estudaram por algumas horas, até o entardecer. Ela o chamou para irem ao cinema, mas Arthur estava muito preocupado com a urgência de se fazer um novo uniforme. Então, teve a brilhante idéia de visitar pessoas do passado.
Com um casaco pesado, luvas, botas e uma máscara improvisada com outra camisa enrolada na cabeça, Arthur apareceu na Rua Álvaro Alvim, no centro. Era ali a sede de sua antiga gangue. Ele sabia os horários das reuniões e por isso não foi surpresa quando abriu a porta e viu todos reunidos.
No começo, desconfiança, todos se entreolharam e alguns soltaram alguns xingamentos.
- Eu sou o Rubro Negro. Como podem ver tô com umas dificuldades de roupa. – Sua voz era um pouco abafada pela camisa que servia como máscara.
- E como vai nos provar isso?
Rubro Negro apontou para um homem alto e largo com músculos saltando pela pequena camisa. Depois fez sinal para vir para briga. Charles era o líder da gangue naquele momento e assentiu. O homem correu pra cima do Rubro Negro e deu um soco em sua cara. O vigilante mascarado não se moveu. A mão parecia ter batido em uma liga de metal, tamanha era a resistência.
- Satisfeitos?
Todos sorriram e se dividiam em cumprimentar Rubro Negro e caçoar do homem que não conseguiu sequer mexer a cabeça dele. Depois das apresentações, Rubro Negro disse a que veio.
- Não quero participar da gangue de vocês. Eu só ajo sozinho e também sou contrário a idéia de vocês de soltar o terror pela cidade, azucrinando qualquer um. Vocês, um dia, vão perceber essa bobagem que é sair batendo em todo mundo por nada. Vão perceber que podem fazer muito mais pelas pessoas do que atrapalhar suas vidas.
Eles fizeram caretas e demonstraram insatisfação. Pareciam levar uma bronca da mãe.
- Vim aqui para pedir uma camisa com as cores daqui. Não vou negar que tenho laços com isso aqui e por isso homenageio usando suas cores. Um dia vocês saberão.
Ninguém parecia querer dar uma camisa a alguém que deu uma lição de moral. Mas o líder Charles entregou em mãos uma.
- Eu acredito em você.
Rubro Negro estava de volta. Decidiu que deveria insistir no empresário industrial Francisco Heiner. Era uma chance de atrapalhar os planos de um burguês rico e descobrir porque ele financiaria a construção de um robô para capturá-lo.
Visitando o andar que explodiu, Rubro Negro ouviu o toque de celular. Era sua mãe.
“Não podia ser mais imprópria”.
Ela dizia que sua amiga Tereza havia chegado ao Rio e estava num hotel. De noite, elas iriam sair para jantar e ele deveria levar Cecília, filha de Tereza, para algum entretenimento noturno carioca.
“Que saco”.
Desligando o celular e pondo no módulo silencioso, guardou na mochila. Começou a vasculhar o andar. Quando alguma coisa surgiu de cima, fazendo um buraco no teto. Era ninguém menos que o andróide D-100. Novinho em folha.
- Puta merda!
Rubro Negro não teve reação. Recebeu um chute no rosto que o fez girar o ar, arremessado contra ferrugens de um antigo laboratório de robótica.
- Então tu veio aqui só pra me pegar, né?
O andróide não parecia ser capaz de falar. Sua função era única: matar. Rubro Negro ergueu-se e não teve tempo de fazer nada, além de cruzar os punhos para se defender de um soco de seu adversário.
Aproveitando a proximidade, ele pôs as mãos sobre o peitoral de D-100 e concentrou sua energia. O raio de plasma disparou arremessando D-100 pra fora do prédio. Antes que Rubro Negro pudesse sentir-se aliviado, viu outro andróide entrar no prédio voando.
“Fodeu!”
Era idêntico ao anterior, exceto que no lugar de mãos, este andróide tinha duas bazucas portáteis. Disparou sobre o Rubro Negro uma seqüência de raios lasers. O vigilante mascarado pulou e saltou, mas não conseguiu desviar de todos. Alguns atingiram suas costas e sua perna direita e ele caiu do prédio.
Tentando agarrar-se em alguma coisa que não fosse a lisa superfície do prédio da Empresa Heiner, Rubro Negro pensava se conseguiria regenerar os danos de uma queda de trinta metros. Seu tempo de queda esgotou e ele encontrou o chão com violência. Sua consciência se perdeu antes que ele sentisse seus ossos partidos.
O laboratório criado por Ricardinho para João Barreto recebeu o retorno de D-100 e da mais nova criação: D-1000, um andróide com armadura aperfeiçoada e capacidade de destruição aprimorada. Ambos carregavam Rubro Negro desacordado. João Barreto mostrou os dentes, sorrindo. O primeiro estava ali sob sua mercê. Faltava o estudante Ronaldo e o empresário Francisco Heiner. João Barreto, entretanto, não sabia da ligação entre Ricardinho e o empresário.
Em sua casa, na Barra da Tijuca, Francisco Heiner tomava um drinque, distraído. Fora surpreendido pelo ataque de D-100. Tentou fugir, tentou pegar sua arma, mas era inútil.
- O que está acontecendo? Barreto, você é louco? – girava seu braço em direção à D-100 em um gesto de protesto, pois sabia que João estava monitorando de algum lugar.
Com um soco no estômago, Francisco arqueou as costas e perdeu a consciência.
Rubro Negro abriu os olhos lentamente, já imaginando que estava desmascarado. Mas não estava. Viu um homem de baixa estatura, cabelos oleosos penteados para trás e óculos de fundo de garrafa. Demorou a entender que estava com o braço preso pelo braço direito a uma algema super tecnológica. E para completar, Francisco Heiner estava preso pelo braço esquerdo à mesma algema. Ambos estavam acorrentados pela cintura, presos numa maca de metal.
- Barreto, eu não tive nada a ver com a morte de seu pai. Foi o Rubro Negro quem destruiu o andar com seus poderes – berrava Francisco.
- Cale a boca! Meu pai foi morto em conseqüência da atitude de vocês três. Você por obrigá-lo a continuar a controlar o andróide e você – apontando para Rubro Negro – por ter explodido o andar.
- Espera aí. E quem é o terceiro? – Rubro Negro olhava em todos os lados procurando mais alguém.
- Ronaldo Farias Gomes – disse João Barreto, apertando um botão em um controle remoto. D-1000 decolou imediatamente.
“É mole? Vou ter que salvar novamente esse pilantra do Ronaldo. Mas antes preciso sair daqui”.
- Eu pago o dobro para me libertar. Te dou um emprego no mais alto escalão dos cientistas da minha empresa. Nunca mais terá necessidades financeiras. Te faço um homem rico. – Francisco começava choramingar. Era algo desagradável estar do lado de um homem rico em desespero.
- Não é uma questão de dinheiro. Eu já falei: você precisa pagar com sua vida. Ambos explodirão pelos ares – com um sorriso vingativo, ele apertou um botão e D-100 agarrou a larga maca de metal e decolou levando os dois para fora dali.
Rubro Negro notou que estavam em algum ponto da Favela da Rocinha. Ficou intrigado com quem era o patrocinador daquele homem chamado Barreto. Seria Ricardinho? Antes que pudesse fazer maiores conjecturas, foi atirado na Estrada da Gávea, em meio a carros. Rubro Negro agarrou-se em Francisco Heiner e o protegeu do impacto do chão. Um carro freio forte antes de se chocar com os dois, provocando um congestionamento. Outros dois carros se chocaram por conta do caos.
- Achou que poderia nos matar nos jogando daquela altura? Aquele homem não me conhecia... – Rubro Negro ajeitava-se.
Francisco Heiner estava com leves ferimentos e um tanto aturdido. Rubro Negro tinha grandes escoriações. Olhou para o empresário com severidade.
- Eu vou salvar aquele estudante que você achou que era eu. Como estamos grudados, tu vem comigo.
- E se eu não quiser? – Francisco cruzou os braços, encarando Rubro Negro.
- Tu não tem escolha, mané. – o vigilante mascarado agarrou o empresário e o pôs nos ombros como um saco e começou a correr pelas ruas, desviando de carros, pegando atalhos em becos espalhados pela cidade. Ele sabia que teria que percorrer até Ipanema.
Ronaldo morava perto da Linha Vermelha, no Morro de São Januário. De dia era um estudante qualquer de História na Universidade Federal do Rio de Janeiro. À noite trabalhava como segurança em uma boate. Tinha uma vida dura, sustentava sua mãe doente enquanto a protegia de seu pai alcoólatra, policial aposentado. Também era membro de uma gangue de jovens que a vida deu as costas e brigava com outras gangues por pedaço de chão, por fama e por pertencimento. Essa gangue era rival da que Arthur era membro. Os dois já se enfrentaram algumas vezes, mas nunca terminavam suas disputas que se tornaram até individuais. Arthur sempre respondia à altura, mesmo ao abandonar sua gangue. Porém, depois de ganhar seus poderes, o jovem abdicou de brigar com Ronaldo. Simplesmente seria injusto demais, além de revelar sua identidade secreta.
Ele trabalhava em sua boate, em Ipanema, quando D-1000 apareceu. Houve correria, um tumulto. Ronaldo mesmo correu, pois sabia de alguma forma que era com ele. D-1000 atirava para matar. Antes que pudesse alcançar algum esconderijo, D-1000 mostrou que era mais perspicaz o encurralando.
- Robô estúpido! Tu quer brigar? Então vai ter briga! – ele avançou e deu um soco no peitoral, mas a lataria era de uma liga de metal muito dura. Ronaldo sentiu sua mão formigar de dor.
- Essa briga é de cachorro grande – Rubro Negro surgia naquele momento, dobrando a esquina, com Francisco Heiner no ombro. Ronaldo arregalou os olhos num misto de medo e raiva. D-1000 apontou uma das bazucas portáteis e atirou no vigilante mascarado. Ele conseguiu desviar, pulando sobre um carro estacionado.
- Escuta aqui, Heiner. Vou fazer uma manobra arriscada, fique parado. Não se mova nem um centímetro! – Rubro Negro desceu deixando Francisco Heiner sobre o teto do carro. O andróide voou para cima deles e disparou mais um raio laser. Dessa vez, Rubro Negro saltou esticando seu braço, tentando mirar a algema com o laser. Era um movimento arriscado.
O raio laser atingiu a algema e libertou Francisco Heiner. Rubro Negro olhou para o empresário.
- Está salvo. Agora pegue aquele segurança e fujam daqui o mais rápido possível!
Francisco correu de cima do carro e segurou Ronaldo pelo braço.
- Ouviu o que ele disse. Deixem que se matem.
Rubro Negro e João Barreto se encaravam através do andróide D-1000. Antes que pudessem agir, D-100 aterrissou próximo. O cientista apertou uma série de botões e usou sua última cartada: D-100 e D-1000 se uniram, formando um só robô.
- Puta que pariu. – Rubro Negro não teve tempo de falar mais nada. Rajadas de lasers tentaram atingi-lo, destruindo carros e fachadas de prédios próximos. À essa altura, as pessoas haviam fugido daquele lugar. O medo instaurou-se em Ipanema. Imediatamente sirenes policiais ecoaram pelas ruas.
“Bem típico aparecer a polícia bem rapidinho para proteger os ricos e a propriedade deles”.
Tentando evitar ser alvo dos tiros de lasers do andróide, Rubro Negro saltou sobre seu adversário, puxando a briga para o corpo-a-corpo. Desferia socos que pouco escoriava a lataria do andróide. João Barreto sorriu e modificou a configuração de sua criação. As bazucas se retraíram e deram espaço para punhos. O andróide revidava desferindo socos poderosos. Rubro Negro abdicou de seus socos para poder se defender. Sentia que perdia terreno. A máquina crescia pra cima dele no combate. Aquilo não poderia acabar bem. Um soco bem dado no queixo, Rubro Negro cuspiu sangue.
Então, ele decidiu medir forças. Segurou o punho direito e o braço esquerdo do andróide. Usou toda sua força para prender os movimentos e os ataques do andróide. O suor escorria de sua máscara, as veias saltavam-lhe os músculos. Tremendo esforço em manter o andróide imobilizado. Estava dando certo, mas logo ele iria cansar.
Rubro Negro usou as pernas e chutou a lateral do joelho. Não foi um chute forte, pois concentrava sua força nos braços. Decidido a arriscar um chute mais forte, o vigilante mascarado deixou livres os braços do andróide e desferiu um poderoso ataque. Dessa vez, entornou a junção mecânica protegida pelo metal. O andróide vacilou em seu equilíbrio o que foi muito bem aproveitado. Rubro Negro socou com violência a cabeça, quebrando a câmera que dava visualização à João Barreto. Desnorteado, o andróide cambaleou.
Concentrando sua energia nas mãos, Rubro Negro apenas apontou e atirou. O andróide voou muitos metros, despedaçando-se no percurso, só aterrissando perto de uma viatura da polícia.
Havia várias viaturas, vários policiais armados. Até o BOPE havia sido chamado. Todos apontaram suas armas para Rubro Negro. Alguém com alto-falante berrou:
- Renda-se ou atiraremos.
Rubro Negro fez um gesto obsceno para eles e correu dali para o bueiro mais próximo. Foi alvo de tiros, mas nenhum acertou, pois ele possuía uma velocidade sobre-humana.
Chegando em casa, Arthur não tinha nenhuma escoriação, graças à sua regeneração. Eram quase onze horas da noite e sua mãe estava com roupas de quem acabava de chegar da rua. Seu pai já estava dormindo.
- Você esqueceu o que combinamos, mocinho? Cecília teve que nos acompanhar. Deve ter sido muito chato para ela.
- Desculpa, mãe, esqueci completamente. – Arthur estava cansado de seu dia cheio, só queria dormir.
Sua mãe mostrou a câmera digital para ele.
- Pelo menos veja como nos divertimos. Tiramos fotos.
Decidiu que não tinha forças para discutir. Viu as fotos e percebeu como Cecília era uma menina bonita. Morena, olhos castanhos e vestia-se em roupas caras. Uma patricinha de São Paulo.
“Acho que não será tão ruim sair com ela...”