domingo, 11 de julho de 2010

Rubro Negro #10 - O Deus da Guerra


Arthur acordava para o primeiro dia de aula, retorno das férias de julho. Rapidamente ligou seu computador para buscar as notícias policiais. Desde que Ronaldo fora preso alegando amnésia, ele ficou imaginando uma fuga espetacular da prisão em busca de vingança. Mas isso não aconteceu até as férias acabarem. Arthur começou a acreditar que era verdade. E ficou feliz com isso. Talvez as coisas piorem quando ele se der conta dos poderes que tem.
Afastando pensamentos agourentos, Arthur terminou seu café da manhã e foi pegar um ônibus para o Fundão. Ficava imaginando quando o IFCS seria reconstruído. Talvez nunca, pois o poder público não ligava para a educação ou preservação de um prédio público e histórico.
Seu celular tocou e era Sofia. Ele havia contado a ela que Ronaldo estava metido com tráfico de drogas e que estava seguindo por motivos pessoais do passado. Ela insistiu e ele foi obrigado a contar que fazia parte de uma gangue de brigões de rua e Ronaldo fazia parte de outra rival, mas Arthur tentou amenizar a notícia dizendo que saiu da gangue quando soube que eram metidos no crime organizado. Sofia achou que aquele passado era horrível, mas que não mudava seu pensamento atual, pois via Arthur como ele era hoje: alguém de bom coração e esforçado.
Marcaram de se encontrar de noite no Teatro Municipal para assistirem a uma peça. Desligado o telefone, Arthur foi para suas aulas.

Depois da aula, Arthur e Larissa foram chamados para a sala do professor Cardoso para dar inicio aos trabalhos da bolsa de pesquisa. Arthur aproveitou para checar se estava tudo bem com o professor e percebeu que ele vivia uma vida normal. Aparentemente, nunca mais havia se tornado no Lobisomem.
- Quero que vocês pesquisem na Biblioteca Nacional e façam um fichamento sobre estes livros aqui.
Arthur viu que eram sobre mitologia nórdica e seus impactos na Idade Média. Um trabalho e tanto e os dois estudantes ficaram empolgados. No caminho para a Biblioteca Nacional, ficaram dividindo tarefas. Chegando na Avenida Rio Branco, perceberam duas viaturas de polícia. Curiosos, Larissa e Arthur foram saber o que estava acontecendo.
- Um homem louco está ameaçando a vida de uma mulher! – disse alguém que fugiu de dentro do lugar.
Arthur torceu o nariz. Tinha que fazer alguma coisa pra investigar.
- Larissa, acho que vamos ter que adiar essa pesquisa. Amanhã, na mesma hora?
- Arthur, já está fugindo do trabalho? Podemos esperar a polícia imobilizar esse louco, ué. – Arthur revirou os olhos.
Súbito, uma janela de vidro do segundo andar explodiu carregando um grande estrondo. Parecia uma pancada em concreto. Larissa olhou para cima assustada e, quando voltou sua atenção para Arthur, ele já não estava mais lá.

Rubro Negro subiu no terraço da Biblioteca já arrumando um meio de descer. Porém, antes de chegar na porta do terraço que dava para as escadas, uma mulher surgiu correndo, com terror em seus olhos. Era uma mulher de óculos de grau, cabelos loiros presos. Ela estava tão amedrontada que sequer sentiu medo de Rubro Negro. Correu até ele e o abraçou.
- Me salve! – gritava.
O vigilante mascarado não precisou imaginar do que ela fugia. Um homem de quase de dois metros apareceu, caminhando calmamente. Era negro, cabelos cortados bem curtos, negros em forma de tranças. Em seu torso nu e totalmente musculoso havia várias cicatrizes. Em seu pescoço, carregava um colar de ossos e dentes. Vestia saiote com panos leves e azulados. O que mais chamava atenção eram seus olhos vermelhos.
- Saia do meu caminho. Ou ouse testar sua força contra a de um deus.
- Vou ter que te decepcionar, cara. Vamos acalmar os ânimos aqui, certo? – Rubro Negro tentava entender o que um homem daquele tamanho totalmente insano iria ter assuntos com aquela mulher.
O homem correu na direção de Rubro Negro. Talvez por arrogância ou por surpresa, Rubro Negro posicionou-se para lutar com certa displicência. Arrependeu-se amargamente.
O herói mascarado sequer viu o movimento do soco daquele homem enorme. Mas sentiu uma dor avassaladora no estômago. Cuspiu sangue e sentiu o chão se afastar. Ele fora arremessado pra cima com um poderoso soco de baixo pra cima. Caiu totalmente aturdido.
Balançando a cabeça, viu aquele poderoso homem mostrando um sorriso satisfatório. Seu olhar demonstrava serenidade de um vencedor. Caminhou lentamente em sua direção. Rubro Negro se virou e se levantou com dificuldade. Seu poder de regeneração já estava agindo.
- Putamerda. Quem é você, cara?
- Eu tenho vários nomes. Mas você pode me chamar de Ogum, o deus da guerra.
Rubro Negro fez uma careta de quem estava confuso. Com sua escoriação já curada, ele saltou sobre aquele homem insano. Porém, o auto denominado Ogum se jogou de costas no chão e chutou com os dois pés no peito do herói mascarado. O golpe serviu de alavanca que fez Rubro Negro ser atirado para o outro lado do terraço.
“Esse negão tem super-força, definitivamente. O que será que está acontecendo?” Rubro Negro mal teve tempo de erguer-se e já foi atingido no rosto. Outro soco de Ogum. As coisas não iam bem. Um salto para trás, Rubro Negro se afastou. Concentrando sua energia nas mãos, disparou uma rajada de plasma certeira. Atingido em cheio, Ogum voou longe e caiu do terraço. Rubro Negro e a mulher correram para a borda do terraço e não viram ninguém. Ogum desapareceu.

- Ele vai voltar. Você não pode detê-lo, ninguém pode. – falava apreensiva enquanto gesticulava bastante. Estava muito agitada.
- Certo, certo. Se acalme. Vou te tirar daqui primeiro. Me conte no caminho o que diabos está acontecendo.
Enquanto Rubro Negro saltava da Biblioteca para um prédio menor e depois escalava para um prédio maior com a mulher nas costas, Ogum observava a cena, escondido num canto do terraço. Ele havia caído, mas se jogado na janela do segundo andar da Biblioteca Nacional. Depois que subiu, não encontrou Rubro Negro e sua mulher.
Jéssica Cunha era o nome dela e Ogum se chamava Rodolfo Pilar e ambos eram pesquisadores da cultura e mitologia yoruba. Eles se conheceram no doutorado e se casaram. Entretanto, cerca de alguns meses atrás Rodolfo e Jéssica haviam ido para a África para estudar fontes primárias para uma pesquisa que realizariam em conjunto.
Durante as investigações, eles descobriram uma espada que, segundo as lendas locais, pertenceu ao próprio Ogum, usada em guerras contra reinos vizinhos como Ará e a cidade de Irê. Ao tocar o artefato, de algum modo, Rodolfo se alterou completamente. Ficou maior, mais forte e seus olhos se tornaram vermelhos. Ele mudou tanto que se considerava a reencarnação de Ogum, o deus da guerra para os yoruba.

Rubro Negro e Jéssica estavam sobre a Livraria Saraiva da Rua Sete de Setembro, alguns quarteirões da Biblioteca Nacional.
- Eu retornei ao Rio para pesquisar alguma cura, pois acredito que a resposta esteja no sincretismo resultante da cultura brasileira. Ogum, no Brasil, tem o aspecto de São Jorge. E você precisa me ajudar. Eu preciso de mais tempo. Ele quer me levar de volta para a África para eu ser sua rainha, ou algo do gênero.
- Eu entendo, mas eu normalmente não me meto em briga de casal.
- Ele é perigoso. De alguma forma, ele possui poderes assombrosos. Se não pararmos ele machucará quem ele quiser.
- Olha, acho melhor você ficar naquela casa ali – Rubro Negro apontou para um apartamento – era de um amigo meu que faleceu há um ano.
- Mas eu não posso, tenho que usar a Biblioteca Nacional para pesquisar! Ele me achará aqui – ela agitou os braços.
- Ele não vai te achar. Ogum é um guerreiro, não um caçador. Agora eu meio que tenho um compromisso, então, por favor, fique aqui até eu voltar. Prometo que pensaremos juntos num jeito de tu continuar sua pesquisa.
Assim, Rubro Negro saiu dali. Ogum continuava andando pelas ruas do centro. As pessoas o olhavam de esgueira. Era um homem muito esquisito e chamava alguma atenção. Mas todos o tomavam apenas como um homem fantasiado. De alguma forma, Ogum sentia a presença de Rubro Negro. Era como se ele pudesse sentir a energia sobre-humana que envolvia o vigilante mascarado. Dessa forma, depois de algumas horas, não foi difícil achar o esconderijo onde Jéssica estava.
Arrebentando a porta do antigo e abandonado apartamento de Roberto, o jovem que deveria ter sido capturado e servido de cobaia para os experimentos de Gabriel Soares, a mando do traficante Ricardinho, Ogum não encontrou ninguém. Jéssica não estava lá.
Arthur e Sofia se encontraram nas portas do belo Teatro Municipal do Rio de Janeiro. A entrada custou alguns almoços de Arthur, mas valeria a pena acompanhar Sofia. Ele sentia que hoje, talvez, pudesse se aproximar mais dela.
A peça foi interessante, Sofia adorou. Entretanto, Arthur bocejou várias vezes. Não era seu tipo de diversão favorita. De repente, Ogum entrou pelas portas, derrubando alguns seguranças. As pessoas da platéia se ergueram amedrontadas e o pânico foi instaurado. Ogum clamava em desafio para Rubro Negro.
“Como ele sabe que estou aqui? Que merda! Mais um que sabe da minha identidade secreta? Impossível, eu tomei cuidado ao me trocar!” Entretanto, Ogum passou no meio da platéia, em direção ao palco. Sequer virou viu Arthur. “Maravilha, ele sabe que estou aqui, mas não sabe quem sou eu. Ótimo. Vou me trocar e espero que Sofia me perdoe depois”.
Sofia olhou para os lados, em meio a platéia se acotovelando para sair dali e não viu mais Arthur.
- Rubro Negro, eu sei que está aqui. Vamos, apareça. Eu te desafio a um duelo.
Rubro Negro apareceu entre as cadeiras suspensas, no segundo andar.
- Ei, deus da guerra, estou aqui!
Ogum saltou como nunca. Era quase um vôo. Rubro Negro se surpreendeu e teve que desviar de um chute que tinha endereço certo. O herói mascarado, então, pulou para fora do Teatro, aterrissando nas escadas. Ogum o seguiu gritando:
- Onde está Jéssica? Onde está minha mulher? Pare de fugir, seu covarde!
Rubro Negro parou de correr de Ogum, virando o corpo na direção dele. Foi um movimento inesperado e pegou Ogum de surpresa. Rubro Negro desferiu um grande soco em seu queixo, depois encaixou uma seqüência de um chute no estômago e uma cotovelada na nuca. Ogum tonteou em zigue-zague.
- Você não é um deus porra nenhuma. – Rubro Negro preparou sua rajada de energia, quando Ogum agarrou seu pescoço e segurou uma de suas mãos, apertando seu pulso. Rubro Negro se sufocava e não conseguia concentrar em sua rajada de plasma.
- Você tem 24 horas para me trazer Jéssica de volta. Ou irei provocar uma grande desgraça sobre você e sua família. Ela saberá onde me encontrar.
Rubro Negro foi solto, jogado de cabeça nas escadas da entrada do teatro. Quando se virou, com sangue escorrendo pela lateral do rosto, não encontrou mais Ogum. Socando o chão, ele se levantou irado.
“O desgraçado é muito forte. E começo a acreditar que ele é capaz de fazer uma macumba daquelas. Merda!” Rubro Negro correu dali, em direção ao apartamento onde havia deixado Jéssica. Depois de alguns minutos correndo pelas ruas, dividindo espaço com carros, ele chegou ao apartamento de Roberto. Jéssica não estava lá.
Praguejando e xingando bastante, Rubro Negro ficou no terraço daquele prédio por algum tempo, pensando no que fazer.
“Agora tenho que achar aquela mulher e esse negão desgraçado. Onde ela se meteu?” O herói mascarado não sabia por onde começar. A Biblioteca Nacional estava fechada naquele momento. Onde ela teria ido?
“Estou fazendo tudo errado. Não tenho que procurá-la, tenho que achar o esconderijo de Ogum e prendê-lo. Ele disse que Jéssica saberia onde encontrá-lo, isso quer dizer que pode ser um lugar romântico deles ou um lugar que tenha algum significado relacionado a Ogum ou orixás.”
Rubro Negro viu que alguns curiosos que voltavam da noitada tiravam fotos com celulares. Ele estava sentado na beirada do terraço com o queixo apoiado em seu punho fechado. Ele acenou para aquelas pessoas e deu um sorriso amigável. Um dos curiosos fez um gesto obsceno. Uma mulher fez o sinal da cruz. Rubro Negro, então, teve uma idéia.

Ogum estava dentro de uma construção similar a um canteiro de igreja. Tinha paredes brancas, teto acinzentado. Pessoas vestindo roupas brancas com todos os tipos de apetrechos religiosos de candomblé estavam em circulo, assustados. Aparentemente, Ogum não era realmente quem dizia ser. Achavam aquele homem lunático por se achar ser uma divindade. Viam até como desrespeitoso.
Enquanto ele gritava a todos que era hora de que seus seguidores voltassem para a África, um absurdo para os ouvidos daqueles devotos, Jéssica apareceu pela porta da frente.
- Enfim, você veio. Entendeu o seu destino ao meu lado. Juntos, guerrearemos na nossa terra.
- Não, Rodolfo, eu trouxe uma forma de impedi-lo em sua loucura.
- Não me chame de Rodolfo! Eu sou Ogum, o deus da guerra!
- E eu sou o Rei da Inglaterra – Rubro Negro surgia por uma das janelas daquele templo de candomblé. Era um terreiro, a maior da cidade.
- Rubro Negro, não é? Eu sabia que vinha. Esteja preparado, pois iremos guerrear pela verdade.
- Por mim, tá ótimo – Rubro Negro mostrou apreensão, pois seu adversário era muito forte e, pelo visto, lutariam como uma espécie de ritual, cercado por gente inocente. E não queria também danificar aquele lugar de fé para tantas pessoas.
Os dois correram um na direção do outro. Rubro Negro deu o primeiro golpe, um soco, mas Ogum desviou para o lado. Colocou as mãos para trás e deu uma cambalhota, erguendo os pés e chutando o rosto do herói mascarado. Rubro Negro se afastou um pouco. Ogum avançou girando o corpo e erguendo a perna direita. Eram chutes rápidos e precisos. Rubro Negro erguia os braços e abaixava a cabeça. Protegia-se como podia.
Então, Rubro Negro viu uma brecha entre os chutes e os rodopios de seu adversário. Esticou o braço e deu um soco bem dado no estômago de Ogum. Ele caiu desequilibrado. Rubro Negro saltou sobre ele e os dois se agarraram no chão, girando para os lados. O herói mascarado ficou por cima em um momento e desferiu um grande soco no rosto de seu adversário. Ele ficou tonto, dando chances para Rubro Negro continuar a dar mais socos. Porém, Ogum usou sua força para voltar a girar sobre Rubro Negro. Por baixo, ele recebeu vários socos na cara. O sangue escorria farto pelo rosto do Rubro Negro, cheio de escoriações.
As pessoas a volta de Ogum faziam caretas, começavam a se revoltar. Jéssica gritou:
- Pare com isso, Rodolfo! Esse não é você! Você não o deus da guerra!
As pessoas começaram a entrar no coro de Jéssica e gritaram para que ele parasse de espancar o Rubro Negro. O herói mascarado tinha uma visão embaçada pela máscara toda torta e pelos olhos roxos. Ogum parou de bater por um momento, pois aquelas palavras o deixaram irritado.
- Homens de pouca fé!
Rubro Negro aproveitou e encaixou um soco na têmpora de Ogum, o tirando de cima de si. Erguendo-se com dificuldade, Rubro Negro sorria com sua cara amarrotada. Jéssica viu um fio de esperança ao ver o herói mascarado de pé.
- A espada dele. Você precisa destruir a espada dele. Acredito que assim ele voltará ao normal. Mas você terá que destruir pedindo por São Jorge.
Rubro Negro fez uma careta. Ele não era um homem de fé e tudo aquilo que acontecia naquela noite estava além do bizarro para sua imaginação. Olhando para os lados, ele viu um pequeno altar com uma espada decorativa, representando a espada de Ogum. Quando virou seu corpo para ir até o altar, sentiu um chute nas costas. Voando sobre várias cadeiras, Rubro Negro se afastou de seu objetivo.
- Merda, cara. Esse chutinho não doeu nada. – Rubro Negro se levantava sentido suas costas doerem como nunca. Ogum se enfureceu e correu na direção do Rubro Negro.
“Na mosca.” O vigilante mascarado desviou de um chute de seu adversário e o agarrou aproveitando a brecha. Usou toda sua força e manteve Ogum preso. Rubro Negro concentrou-se gritando.
- Saiam daqui agora!
As pessoas começaram a fugir. Ogum começou a se soltar. Assim que a última pessoa saiu, Rubro Negro gritou:
- Me ajuda São Jorge! – em seguida explodiu sua energia de plasma em tudo a sua volta. Cadeiras e altar foram destruídos. A estrutura do templo foi abalada, mas não ruiu. Ogum estava desacordado e sua espada destruída.

Arthur terminava o telefonema com Sofia se desculpando por ter ido embora e a deixado sozinha no teatro. Não teve muito êxito. Decidiu que deveria pensar nisso depois, pois tinha muito trabalho pra fazer.
Ficou lembrando de sua vitória sobre a lenda ou mito que se fez verdade. Rodolfo voltou ao normal depois da destruição da espada. Ficou tentando imaginar como seu professor Cardoso havia se transformado em Lobisomem e percebeu que havia realmente alguma mágica no mundo.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Rubro Negro #9 - O Uniforme Branco: Parte 3


Em uma casa do Morro de São Januário, Ronaldo estava sem camisa, erguendo pesos de cem quilos. Estava com um semblante sério, pensativo. Lembrava de cada momento em que Rubro Negro atrapalhou sua vida, tirando seus empregos, o humilhando. Só que dessa vez seria diferente.
Segundo Ronaldo, Rubro Negro mudou seu uniforme para um branco com detalhes em vermelho e preto, atrás apenas de publicidade. Mas agora ele teria um encontro com alguém que usasse verdadeiramente as cores brancas e negras. As cores da gangue de Ronaldo.
O jovem largou o peso de cem quilos de lado e andou até a parede de seu quarto, onde encarou as várias fotos de jornal do Rubro Negro em ação. Com um soco, provocou um rombo no concreto, esmagando uma foto.
- Agora é vez do Cruz de Malta.

Rubro Negro estava com seu uniforme original naquela noite fria e chuvosa. Porém, também usava um casaco por cima, porque era um tanto friorento. Ele havia conseguido um novo uniforme costurando ele mesmo os buracos. Levou um dia inteiro, mas foi bem sucedido. Além do mais, estava farto do uniforme branco.
Arrastando o último policial, o jogou sobre os outros três desacordados. Limpou as mãos e caminhou até os alvos daqueles homens da lei.
- Pronto. Esses corruptos não irão mais incomodar trabalhadores como vocês.
- Obrigado, Rubro Negro – um daqueles dois jovens eram repórteres negros de um jornal da comunidade da Favela do Jacarezinho. Eles investigavam um delegado corrupto que recebia propina do jogo do bicho e vendia armas para traficantes da região. Rubro Negro havia insistido e vigiar durante uma semana inteira aquela favela, pois queria achar pistas do paradeiro de Ricardinho. Não havia encontrado nada.
Depois dessa ação, ele sentiu orgulho de si mesmo. A noite já avançava e queria logo voltar para casa. Correndo pelas ruas desertas, não queria perder tempo na parada de ônibus. Correndo ele chegaria mais rápido em casa. Então, recebeu uma mensagem de texto no celular de Sofia. Marcava um encontro na noite seguinte.
“Maravilha, vou poder me desculpar do modo como a tratei aquela vez. Dar em cima descaradamente daquele jeito não é meu estilo, definitivamente.”
Rubro Negro ouviu um barulho de algo chocando em uma lataria. Bufou impaciente, e decidiu averiguar. Dobrou a esquina da Rua São Francisco Xavier com a Rua Luiz de Matos e viu Ronaldo.
Ele estava sobre o teto amassado de um carro. Vestia um casaco negro, fechado, luvas e coturnos negros e calças brancas. Sorria ansioso.
- Ronaldo? O que você tá fazendo aqui? – Rubro Negro não sabia o que esperar. Desde que a mesma fórmula que lhe deu poderes havia sido injetado em Ronaldo, Rubro Negro não sabia seu paradeiro. Não sabia o que esperar.
- A mesma coisa que você, Rubro Negro. Ou se importa se eu te chamar de... Arthur Ribeiro?
Rubro Negro arregalou os olhos, tremendamente assustado.
- Como é que é?
- Ah, você é mesmo um idiota quando quer, não é mesmo, Arthur? Quem diria, um idiota como você é o lendário Rubro Negro – Ronaldo sorria, mal continha sua enorme vontade de rir.
- Como você...?
- O problema é que o Ronaldo aqui não é o mesmo de antes. Depois daquele dia eu resolvi te caçar para o acerto de contas e vi que tu era muito previsível. Era óbvio que voltaria praquela favela. E é óbvio que eu te espionei. Tu foi muito descuidado. Tirou sua máscara num território em que patrulhava, não é mesmo?
- Ronaldo, seu idiota... – Rubro Negro sentia-se envergonhado por ter sido descoberto. Era um orgulho ferido.
- Eu larguei essa vida miserável que era ser Ronaldo. Agora – começou a abrir o zíper frontal de seu casaco negro – eu sou Cruz de Malta.
Ele tinha uma camiseta branca, sem mangas com uma faixa vertical negra e cruzada do ombro até o abdômen. Tirou do bolso do casaco uma máscara metade branca, metade negra. Assim que vestiu, não se conteve e gargalhou.

Rubro Negro não acreditava no que estava acontecendo. Será que Ronaldo havia enlouquecido? Será que ele tinha poderes? Só havia uma forma de saber. Ele correu em direção à Cruz de Malta e saltou sobre o carro, preparando um soco duplo. Cruz de Malta segurou seus dois braços na mesma hora, evitando o soco. O impacto do golpe fez a lataria do teto do carro afundar mais um pouco, fazendo os vidros se quebrarem. Definitivamente, Ronaldo/Cruz de Malta tinha super-força.
- Surpreso? – Cruz de Malta media forças com Rubro Negro, erguendo-o no ar, enquanto o teto do carro era afundado cada vez mais pelo peso de Cruz de Malta e a pressão dos dois.
Rubro Negro estava suando, usando toda sua força para tentar se livrar daquela imobilização. Mas não conseguia. O herói mascarado não parava de se surpreender. Cruz de Malta flexionou os braços, fazendo suas veias sobressaírem. Rubro Negro foi jogado pra cima.
- Parece que eu sou mais forte que você agora, molambo! – Cruz de Malta olhava pra cima, observando o vôo e a queda do Rubro Negro do meio da rua.
- Não conte com isso. – Rubro Negro se erguia e concentrava sua energia de plasma. Cruz de Malta saltou descendo do carro e cruzou os braços a dez metros de distância. Não largava o sorriso do rosto.
Rubro Negro disparou sua rajada de plasma, mas Cruz de Malta desviou para o lado facilmente. E riu daquilo. Rubro Negro já sentia dor de cabeça e enjoou por aquela risada. Cruz de Malta saltou sobre Rubro Negro desferindo um soco em seu rosto, fazendo-o girar no ar e capotar alguns metros no chão. Era um soco muito poderoso.
- Quero ver agora tu usar um dedo para se defender de um soco meu. – Cruz de Malta falava com rancor em sua voz. Aproveitou Rubro Negro no chão e lhe deu um chute na barriga o erguendo do chão. Nesse segundo erguido, Rubro Negro ainda recebeu um soco com as mãos juntas de Cruz de Malta, fazendo sua queda ao chão ser mais dolorosa. Sua cara provocou uma rachadura no asfalto.
Sem tempo de reação, Rubro Negro estava aturdido, sentido o mundo a sua volta girar. Cruz de Malta não parou, pisou em sua cabeça, aumentando a rachadura no asfalto. Rubro Negro lutava para não perder a consciência, então com uma mão segurou a perna de apoio de seu adversário. Fez um puxão, o desequilibrando. Nesse momento, ele rolou para o lado e se levantou do chão. Seu rosto estava com várias escoriações e sangue. Seu poder de cura começava a agir.
- Cruz de Malta, não é? Então é sobre isso que se trata? Uma briga de gangues?
- Se trata sobre eu e você, pequeno Arthur. Sobre tu ferrar com minha vida e minha vingança. Agora eu tenho poder para isso.
- Infelizmente, pra você, eu não vou perder.
Rubro Negro canalizou toda sua energia em suas mãos e disparou uma poderosa rajada de plasma. Cruz de Malta juntou suas duas mãos e disparou uma rajada de plasma idêntica, para a surpresa de Rubro Negro. As duas energias se chocaram, provocando uma poderosa ventania em volta. Os dois poderes se anularam.
- Tu vai me pagar. Mas eu vou aproveitar essa vingança vagarosamente... – Cruz de Malta soltou uma gargalhada e apontou para um ônibus que vinha pela rua. Disparou um raio nele, fazendo tombar. Rubro Negro correu para o ônibus a fim de socorrer as pessoas. Ele ficou aliviado de haver apenas quatro pessoas. As retirou e afastou dali, antes da explosão do ônibus.
Olhando para os lados, não viu mais Cruz de Malta. Rubro Negro estava assustado.

No dia seguinte, Arthur estava sentado em sua cama. Havia dormido poucas horas, pois estava muito preocupado. Ronaldo sabia de sua identidade secreta e possuía poderes. Aquela fórmula injetada realmente lhe garantiu poderes iguais aos dele. Arthur decidiu que iria procurar saber onde estava Ronaldo. Não podia perder mais tempo.
Saindo de casa, pegou um ônibus para a Avenida Presidente Vargas. Uma vez lá, pegaria um ônibus que passasse pela Linha Vermelha. Ele sabia que Ronaldo morava em algum ponto de lá. Sua pesquisa pela internet não lhe foi mais específica que isso.
“Ele pode estar em qualquer lugar. O cara pirou totalmente, só quer saber de vingança. Pode estar me seguindo e eu não vou saber. Que merda, deveria tê-lo jogado na cadeia quando tive chance”.
Arthur desceu do ônibus e foi até um canto sujo e escondido. Havia decidido que era melhor continuar a viagem como Rubro Negro, para ser mais rápido. Era arriscado sair de dia, mas abriria essa exceção nesse momento difícil. Tirou sua camisa mundana e calças jeans. Colocou sua bota negra, suas luvas e suas ombreiras, guardando a roupa comum na mochila.
- O que as pessoas pensariam se soubessem quem é o Rubro Negro? – Ronaldo estava na entrada do canto sujo e escondido. Estava com sua roupa de Cruz de Malta, sem a máscara. Assim que Arthur pôs a sua, Ronaldo fez o mesmo. Eram Rubro Negro e Cruz de Malta agora.
- O que você vai fazer? – Rubro Negro correu na direção dele.
Cruz de Malta apenas correu para longe também. A perseguição foi demorada. Ambos possuíam grande velocidade e correram pela movimentada Avenida Presidente Vargas, desviando de carros. Os motoristas tiveram dificuldades e logo o trânsito ficou complicado. Alguns carros batiam em postes ou subiam as calçadas. Outros batiam entre si, capotavam. Rubro Negro tentava alcançar Cruz de Malta a todo custo, corria desesperadamente. As coisas estavam ficando feias naquela avenida. Cruz de Malta subiu em um ônibus com um salto e depois se jogou contra o prédio das Industrias Heiner. Rubro Negro saiu da rua, para tentar evitar maiores problemas às pessoas.
Entretanto, o problema maior estava por vir. As pessoas começaram a sair de seus carros. Os pedestres se aglomeravam para ver aquela briga digna de cinema. Cruz de Malta subia o prédio, escalando pelas janelas em direção à cobertura. Rubro Negro decidiu segui-lo e vez os mesmos movimentos. Descobriu que tinha menos capacidades físicas. Seu salto do ônibus para o prédio foi muito difícil, quase que caiu.
Ambos chegaram ao topo do prédio e se encararam. Rubro Negro estava cada vez mais perdido. Ambos correram em direções opostas, saltaram e se chocaram com violência. Um chute de Rubro Negro encaixou no queixo de Cruz de Malta, que por sua vez acertou um soco no peito. Ambos caíram. Rubro Negro constatou o poder de cura de seu adversário vendo a escoriação na boca regenerar. Ambos desferiram uma série de golpes entre si, mas Rubro Negro levou a pior. Cruz de Malta era mais forte e sabia brigar melhor. Rubro Negro, então, foi agarrado e apertado. Cruz de Malta correu com Rubro Negro agarrado e o jogou contra o concreto do terraço do prédio. O vigilante mascarado ficou aturdido, tempo suficiente para seu algoz lhe arrancar a máscara e jogar lá embaixo.
A multidão se aglomerava. Um curioso apontou para a máscara do Rubro Negro que acabara de cair. Houve uma explosão de celulares com câmeras tentando focalizar a luta dos dois. Cruz de Malta ergueu o então agarrado Rubro Negro e o expôs para as pessoas lá embaixo. Rubro Negro, sem sua máscara, olhava para baixo espantado. Preocupava-se com sua identidade secreta e em manter a consciência. Se alguma daquelas câmeras focasse direito, ele estaria acabado.
Rubro Negro se concentrou e disparou seu poder de explosão. Uma grande luz ofuscou todas as lentes e arremessou Cruz de Malta e Rubro Negro lá pra baixo. Cruz de Malta parecia aturdido com a explosão. Rubro Negro estava sentido seus músculos fadigados, mas não foi o suficiente para impedir que se agarrasse no concreto estreito do prédio. Cruz de Malta se chocou no chão, causando um grande buraco. Antes que alguém chegasse muito perto, ele se levantou ainda zonzo e constatou que Rubro Negro não estava mais lá.

Arthur chegou em casa alucinado. Chutou uma cadeira e levou as mãos à cabeça, desesperado. “O que eu vou fazer? Estou perdido! Esse cara pode aparecer pros meus pais, pros meus amigos e...” Num estalo, lembrou que sairia com Sofia naquela noite. Ligou para ela para tentar desmarcar, mas não conseguiu: celular fora de área. Preocupado, Arthur foi aos Arcos da Lapa à noite. Haveria um show e Sofia estaria lá.
No inicio da noite, chegando ao local, ele encontrou muita gente, como era de se esperar. Tentando localizar Sofia pelo celular e pelo contato visual, Arthur tinha uma cara de pânico. Esbarrou com ela sem querer.
- Desculpa o atraso, Sofia, tive alguns problemas.
- Não se preocupe, Arthur. Ei, sabe quem encontrei aqui? O Ronaldo, lembra dele?
Ronaldo aparecia com duas garrafas de cerveja. Entregou uma à Sofia e bebeu da outra.
- Olá, Arthur. Há quanto tempo, heim. – piscou o olho descaradamente.
Arthur o empurrou na hora. Segurou a mão de Sofia e a arrastou dali. Ela ficou confusa, mas o seguiu.
- O que está fazendo, Arthur? – perguntava.
- Precisamos ir. – respondia Arthur, seco.
- Mas vão perder o show – disse Ronaldo, em tom irritantemente irônico.
Os dois se afastaram dos Arcos da Lapa.
- O que está acontecendo, Arthur?
- Ronaldo está esquisito. Eu te explico depois. Vamos sair daqui, eu te levo pra casa.
Pegaram um ônibus. Arthur viu, da janela, Ronaldo de braços cruzados no ponto com um largo sorriso.
- Arthur, me explica!
- Sofia, você confia em mim?
- Bem, sim... – disse receosa.
- Então faça o que eu digo e não me faça perguntas, por favor. – normalmente Sofia se revoltaria com a proposta. Determinada e dona de si, ela insistiria até conseguir o que queria. Mas naquele momento, resolveu aceitar as coisas do jeito de Arthur.

Depois de levá-la em casa, sem maiores problemas, Arthur decidiu que aquele dia tinha que acabar logo. Voltou para casa. Viu sua mãe acordada assistindo televisão na sala. Seu pai já estava dormindo. Depois de uma rápida troca de palavras, o interfone tocou. Arthur gelou. Será que Ronaldo havia descoberto onde ele morava? Atendeu e constatou o pior.
- Olá amigo. Em casa a essa hora? – era ele.
- Ronaldo – percebeu que sua mãe apareceu ao seu lado – bem, vamos conversar amanhã.
- A noite é uma criança, Arthur. Pegue-me se puder. – desligou.
Arthur não teve escolha. Foi para o quarto e vestiu seu uniforme com uma máscara reserva. Foi para a janela e desceu o seu prédio pelo lado de fora. Viu Ronaldo como Cruz de Malta na Rua Voluntários da Pátria. Rubro Negro correu até ele. Era final de noite e os carros começaram a rarear. Foram parar no metrô de Botafogo. Uma vez lá, Cruz de Malta parou de correr. Virou-se contra Rubro Negro e partiu para a briga. Ambos trocaram socos, chutes poderosos. Um golpe errado, acertava uma parede e a destruía. Rubro Negro saltava para trás, tentando evitar o confronto direto, pois Cruz de Malta era mais forte e poderia agarrá-lo de novo. Disparou uma rajada de plasma em cheio em Cruz de Malta, jogando-o contra a parede. Ele fez um grande buraco nela. Um metrô passou por eles e Rubro Negro saltou sobre ele.
- Vem me pegar, seu filho da p...
Cruz de Malta saltou sobre o metrô também. Ambos se ergueram sobre o vagão em movimento e se socaram. Rubro Negro estava mais concentrado, encaixava mais golpes. Entretanto, o poder de regeneração de ambos tornava a luta prolongada demais. Rubro Negro tentava pensar em um jeito para parar todo aquele inferno. O que fazer para impedir Ronaldo? Conversar com alguém insano não era a melhor saída.
Várias estações depois, na Cinelândia, Rubro Negro disparou sua rajada de plasma num momento crucial e o jogou para longe. Saltou sobre Cruz de Malta com os dois pés no peito. Seu adversário voou contra a parede. Sem tempo para reagir, Rubro Negro o imprensou na parede. Com o cotovelo no pescoço, prendeu Cruz de Malta. Com a outra mão, socava seu abdômen, suas costelas. Cruz de Malta ficou aturdido e sentiu algum osso quebrar.
Rubro Negro encostou suas mãos no peito de seu adversário e disparou uma rajada de plasma a queima-roupa. Foi uma grande explosão, que fez a parede ser destruída. Cruz de Malta caiu do outro lado da estação. Ele se levantava, rindo e cuspindo sangue e com sua camisa destruída. A máscara estava em frangalhos também.
- Finalmente lutando que nem homem. Mas você sabe, eu curo meus ferimentos como você. Vamos lutar eternamente. Ou até você morrer.
Rubro Negro correu dali, pela Avenida Rio Branco. Dobrou na Avenida Beira-Mar e seguiu em direção ao Aeroporto Santos Dumont. Cruz de Malta o seguia. De repente, eles ouviram sirenes de polícia. As coisas estavam ficando piores para Rubro Negro. Chegando ao aeroporto, adentrou sem cerimônia. Destruiu a fachada de vidro e entrou na pista de decolagem dos aviões. Cruz de Malta disparou um raio de plasma e jogou Rubro Negro longe, que capotou pela pista. Havia alguns aviões ali, alguns deles prestes a decolar.
Erguendo-se do chão, Rubro Negro não conseguiu desviar de uma joelhada nas costas. Rolou no chão mais uma vez. Olhou para o céu e agradeceu a Deus porque via um avião chegando. Cruz de Malta correu na direção de Rubro Negro, que ainda estava no chão. O agarrou e o apertou. Rubro Negro sentia seus músculos apertados, seus ossos esmagando. Precisava se manter consciente, precisava que seu plano desse certo. Rezava para ninguém sair machucado.
A polícia cercou o aeroporto e impediu qualquer decolagem. Mas não podia impedir o iminente pouso de um avião. Rubro Negro se concentrou e usou toda sua força para se soltar ao agarro de seu adversário. Cruz de Malta se surpreendeu com a força de superação de seu adversário. Rubro Negro correu em direção do avião que vinha.
Cruz de Malta saltou sobre Rubro Negro. O vigilante se jogou no chão e chutou com os dois pés o abdômen de seu adversário, fazendo uma alavanca, o jogando sobre o avião.
Cruz de Malta fez uma careta e foi atingido em cheio bico do avião. Era uma cena terrível. Rubro Negro se levantava com dificuldades se perguntando se havia matado seu rival. Não era isso que ele queria, mas era o único modo de conseguir fazer seu adversário perder a consciência. A velocidade do avião em terra foi diminuindo e Cruz de Malta caiu desacordado na pista.
A polícia fez o cerco. Rubro Negro teve que bater em alguns policiais e destruir uma viatura para fugir. Cruz de Malta, entretanto, fora preso.

No dia seguinte, Arthur via as notícias. Ronaldo estava preso por invasão de pista no Aeroporto Santos Dumont. A polícia o havia encontrado sem camisa, jogado na pista com graves ferimentos. Não se sabia como ele conseguiu sobreviver ao acidente que teve. Ao que tudo indica, ele havia entrado num estado de insanidade amnésica. Quando perguntado, alegava que não se lembrava de nada. Será verdade?
“Consegui vencer meu maior adversário até hoje. Ninguém percebeu que ele era o Cruz de Malta porque seu uniforme tava destruído. Sorte a dele. Azar o meu. Daqui pra frente, terei mais cuidado em tirar minha máscara por aí.”

terça-feira, 6 de julho de 2010

Rubro Negro #8 - O Uniforme Branco: Parte 2


Rubro Negro corria pela noite do Rio de Janeiro, pela Rua do Catete. Era um domingo de julho e poucas pessoas andavam pelas ruas. Entretanto, as pessoas em seus apartamentos fechavam as janelas quando viam a movimentação do vigilante mascarado em sua nova roupa branca. Havia helicópteros da polícia marcando seus passos. Porém, a velocidade de Rubro Negro era assombrosa. Correndo pela reta Rua do Catete, ele podia alcançar a incrível marca de 36 quilômetros por hora.
“Maldito Heiner e sua porcaria de recompensa! Não tenho nenhum sossego para investigar o paradeiro de Eduardo Acco! Eu nem posso me mexer que tem sempre alguém querendo me pegar”.
Correndo, teve um enorme susto quando passou pela esquina da Rua do Catete com a Rua Buarque de Macedo. Desviou a tempo de um mecanismo metálico que causava choque, preso a uma corda que foi disparado por uma arma. Era um grupo de homens com coletes a prova de balas e equipamentos de captura. Sem nenhum distintivo ou símbolo aparente, Rubro Negro presumiu que eram mercenários em busca da recompensa.
- Vocês não se mancam? O Rubro Negro Dois é invencível!
Um deles atirou com sua arma. Uma corda de aço flexível presa à duas esferas de metal. Parecia uma boleadeira moderna. Rubro Negro não conseguiu desviar e ficou preso. Os homens soltaram sorrisos triunfantes. Cedo demais.
- Boa tentativa. – Rubro Negro usou toda sua força e arrebentou a corda de aço flexível.
- Agora é minha vez. – Correndo na direção deles, aqueles mercenários não foram adversários à altura. Rubro Negro bateu até todos desmaiarem. Controlou sua força, pois estava receoso.
“Agora, vou direto à fonte dos meus problemas”.

Ronaldo recebia sua carta de demissão. Amassava o papel e gracejava impropérios sobre como era ruim trabalhar naquela emissora de televisão. A verdade era que ele estava perdendo o controle de tudo. Se continuasse assim, não poderia continuar a faculdade. Queria aproveitar as férias de julho para se concentrar em trabalhos, mas, para ele, Rubro Negro sempre aparecia na hora errada para estragar tudo.
Queria por um fim nisso. Comprou um jornal na banca a fim de procurar um novo emprego e acabou lendo a notícia da recompensa de um milhão de reais pela captura do Rubro Negro. Sorriu como nunca.
- Que ironia. Você me fará um homem rico, Rubro Negro.
Pegando um celular, ligou para sua gangue.

Na Avenida Presidente Vargas, no prédio das Industrias Heiner, Francisco Heiner recebia o contato de mais um grupo de mercenários interessados em capturar Rubro Negro. Em uma semana, ele havia recebido dúzias de grupos e já estava começando a ter alguma dor de cabeça com isso. A polícia não estava gostando daquilo, mas com o suborno certo, os segurava. Pelo menos por enquanto.
Entretanto, quando soube o nome de quem vinha vê-lo, resolveu que aceitaria ajudá-los. Era Ronaldo e sua gangue.
- Então você lembra de mim, senhor Francisco Heiner.
- Sim, como poderia esquecer? Você foi capturado por engano por meu antigo empregado e jurou que não prestaria queixa. Quer que eu retribua seu favor agora, não é mesmo?
- Acertou em cheio. Quero que você equipe a mim e meus amigos aqui. – ele sorria. Já sentia o gosto do triunfo na captura de seu rival.
Nesse exato momento, Rubro Negro apareceu. Estava de braços cruzados, encostado na janela, desleixado.
- Um fã clube pra mim? Ah, que máximo.
Ronaldo e seus amigos de gangue se assustaram. Rubro Negro estava realmente com uma roupa diferente e parecia terrivelmente mais ameaçador. Eles haviam lido nos jornais que o vigilante mascarado havia invadido uma favela e espancado seus moradores.
- O que veio fazer aqui, seu criminoso? – Francisco apontava o dedo para Rubro Negro. Coragem ou imprudência?
- Quero que você tire essa recompensa pela minha captura, ou... – Rubro Negro falava enquanto caminhava, em tom ameaçador.
- Ou o que? Você irá me matar?
Rubro Negro parou de andar. Ergueu a mão e apontou para uma parede. Disparou um raio de plasma, fazendo um enorme buraco.
- Não sou um assassino, tão pouco criminoso como você e os poderosos acham. Eu vou trazer de volta Eduardo Acco e ele provará minha inocência.
Ronaldo caminhava em sua direção, sério, com expressão de fúria contida.
- Você vem arruinando minha vida, mascarado de merda. Não adianta se esconder numa roupa branca. Eu vou te caçar.
- Não espero que tu conte a verdade, Ronaldo. Tu me viu tentando salvar o cientista daqueles traficantes de fuzis e bazucas. Mas prefere ocultar a verdade para poder se vingar de mim. Tu põe a culpa em mim por teus erros e fracassos. Dá um tempo, perdedor.
Ronaldo rangeu os dentes, irado. Correu em direção de Rubro Negro com o punho fechado. O herói mascarado ergueu um dedo e segurou todo o soco dele, sem se mover. Era humilhação demais. Rubro Negro deu as costas ao atônito Ronaldo.

Enquanto isso, numa favela do Complexo do Alemão, Ricardinho visitava Eduardo Acco. O cientista estava imundo com roupas sujas e barba por fazer. Era um trapo humano. Ricardinho fazia sua terceira visita na semana.
- Nada ainda? Espero que não esteja me enrolando.
- Eu estou no final da experiência. Eu pude analisar algumas anotações perdidas de Gabriel Soares e descobri que posso fazer uma réplica exata da fórmula que ele desenvolveu.
- Excelente.

Rubro Negro estava no terraço de um prédio da Avenida Rio Branco, pensativo. Sua mãe havia ligado quatro vezes e Sofia uma. Ele resolveu que não voltaria à identidade de Arthur enquanto não resolvesse o caso e limpasse seu nome. Concentrou-se na questão.
“Quem eu posso recorrer que tenha informações?” foi quando lhe ocorreu um nome: tenente Vanessa.
A tenente estava cuidando de papeis em seu escritório quando recebeu o telefonema do Rubro Negro.
- Preciso de sua ajuda de novo.
- Rubro Negro? Mas por que eu o ajudaria? Até onde eu sei, é um homem procurado por seqüestro.
- Ora, eu te vi me defender na televisão uma vez. Quero que acredite em mim. Sou inocente. – silêncio no telefone.
- Eu acredito. Nunca gostei de Francisco Heiner mesmo, desde o incidente com os andróides.
- Obrigado. Fico te devendo essa.
Eles se encontraram à noite, na Praça da República. Falaram sobre o que sabiam, cruzaram informações.
- Então essa fórmula é a mesma que lhe deu esses poderes?
- Isso mesmo.
- E você disse que foi capturado por Ricardinho para ser uma cobaia do projeto dele de criar super guerreiros?
- Isso mesmo.
- Isso é incrível. Eu tenho informações de incidentes no dia em que você disse ter ganhado seus poderes. Pessoas na favela que testemunharam a presença de um homem com esferas de luzes vermelhas nas mãos. Era você?
- Provavelmente. Olha, vou parar de dar informações, pois eu tenho uma identidade secreta a zelar.
- Tudo bem, eu respeito isso.
- Que favela era essa? Eu meio que não me lembro de onde eu fugi. Era noite, chovia e eu estava assustado demais.
- Favela do Jacarezinho.
Rubro Negro arregalou os olhos e deixou a boca pender. Finalmente ele havia encontrado a maior das pistas para achar Ricardinho. Ele finalmente poderia levar aquele chefe do tráfico para a cadeia. Ficou ansioso em agir. Se despediu da tenente e pediu para que a polícia evitasse aquela região naquela madrugada, ou as coisas poderiam ficar mais difíceis. Rubro Negro queria agir sozinho.
- Como eu saberei que você não irá matar ninguém? Ou Ricardinho?
- Eu posso ter sido um idiota quando quase matei aqueles criminosos, mas eu sei assumir um erro quando cometo. Prometo não machucar muito ninguém. – Acenou e correu dali.

Ronaldo e sua gangue estavam com um aparelho que media a quantidade de energia de plasma no ambiente, Ronaldo capturou um sinal se movendo numa grande velocidade. Era Rubro Negro, com toda certeza. Seguindo sua trilha num furgão negro com uma faixa branca no teto, símbolo de sua gangue, eles encontraram Rubro Negro se aproximando da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, no bairro Maracanã.
Com uma granada, Ronaldo mostrou seu cartão de visitas. Rubro Negro voou metros com a explosão, no meio da rua. Erguendo-se com rapidez, começou a concentrar energia em suas mãos, com dentes rangidos.
- Ronaldo e sua gangue, há muito eu esperava por esse momento. Desejava muito que vocês ficassem no meu caminho. Vou surrá-los até dizer chega.
Rubro Negro disparou seu raio de plasma sobre o furgão. O raio atingiu o motor e fez o automóvel explodir. A gangue saiu antes que explodisse inteiramente. Todos tinham coletes tecnológicos e óculos de visão noturna. Alguns tinham rifles de laser, outros tinham armas de captura. Ronaldo atirou sem parar com o rifle, obrigando Rubro Negro correr para o estacionamento da universidade. Todos o seguiram, jogando granadas. O herói teve dificuldades de escapar, mas com um super salto, atravessou a grade do estacionamento. Uma saraivada de tiros o atingiu, furando seu uniforme branco. Laser, aparentemente, penetrava colete a prova de balas.
Rubro Negro deitou-se atrás de carros, usando como barreira. Erguia-se de vez enquando para atirar com seu raio de plasma. Recebia uma saraivada de lasers em resposta. Era um tiroteio complexo. Ronaldo, então, abriu mão de seu rifle e pegou um lança-míssel. O tiro explodiu o carro e fez Rubro Negro voar, bastante ferido. Caído no chão, ele não se movia.
A gangue se aproximou com armas apontadas. Cercaram o herói formando um circulo. Sorriam felizes pelo milhão que receberiam. Então, Rubro Negro abriu os olhos rapidamente.
- Caíram como patinhos.
Ele liberou sua energia de plasma que envolveu todo seu corpo. Num estouro de energia, todos foram atingidos, inclusive alguns carros em volta. Uma grande luz vermelha pode ser observada quilômetros dali.
Todos estavam no chão, feridos. Rubro Negro cambaleou entre eles e segurou Ronaldo, semi-desmaiado, pelo colarinho.
- Eu não quero mais encrencas. Melhor tu cuidar da tua vida, ou da próxima vez, eu te mando pra cadeia. Entendeu?
Ronaldo rangia os dentes, incapaz. Foi jogado no chão e assistiu Rubro Negro, o maior inimigo de sua vida, caminhar para fora dali. Não iria deixar que ele escapasse.

Era uma casa no topo de um morro da Favela do Jacarezinho, com vista para um rio. Na sala principal, uma mesa posta com comida, homens discutiam os preços da fórmula do geneticista Eduardo Acco. Ricardinho guiava os lances, arrogante. Estava prestes a se tornar num homem tão rico quanto um presidente da República.
Rubro Negro escalava o morro onde não era habitado, por ser a parte mais íngreme. Estava cansado, pois o efeito de explosão lhe custava grande quantidade de energia e ele ainda nem havia conseguido parar para descansar. Escondeu-se em arbustos próximo à maior casa do morro. Viu vários seguranças vigiando o lugar. Todos com armamentos pesados.
“Traficante aqui é preparado pra guerra.”
Antes que fizesse alguma coisa, uma arma lhe foi apontada na cabeça. Ele sorriu e ergueu as mãos pra cima. Outros seguranças apareceram exibindo suas armas roubadas ou compradas de militares e guiaram Rubro Negro. Certamente iriam matá-lo. Um deles até tinha um celular para filmar tudo e ficar famoso. Mas antes que fizessem algo, Rubro Negro decidiu arriscar seu poder de explosão novamente. Concentrou sua energia com dificuldade, mas conseguiu emanar a explosão. Todos os seguranças voaram longe e deixaram o caminho para a porta da frente livre.
O traficante e seus compradores ficaram nervosos, mandaram seus próprios seguranças ficarem próximos a eles, apontando armas para a porta de entrada. Depois do murmurinho, silêncio. Eles começaram a ouvir passos lentos de alguém se aproximando. Eduardo Acco suava, sentia que poderia ser sua chance de escapar. Ricardinho já sabia quem iria aparecer.
A porta foi arrombada com um raio de plasma vermelho. Através da fumaça, aqueles homens viram a silhueta dele. Rubro Negro apareceu.
- Ricardinho.
- Rubro Negro.
- Não faz idéia do que passei para chegar até aqui.
Rubro Negro estava exausto. Usar seu poder explosivo duas vezes em pouco tempo o esgotou quase completamente. Estava à beira de um colapso. Tinha dificuldades de andar ou se mover. Apenas a pura força de vontade o mantinha de pé.
Todo mundo que possuía armas naquele momento apontou para Rubro Negro. Alguém gritou para atirar e todos obedeceram. Uma barulhada sem fim chamou atenção para todos na Favela do Jacarezinho. Alguém chamou a polícia e a tenente Vanessa nada pode fazer mais para impedi-los. Ronaldo, que seguia Rubro Negro, encontrou o lugar onde deveria ir.
Na sala todos estavam agora sem munição. Porém, ninguém se atrevia se aproximar um centímetro de Rubro Negro, estatelado no chão. Todos sentiam medo daquele homem por trás da máscara. Não importava sua identidade, apenas o que ele representava. E naqueles dias, Rubro Negro com o uniforme branco não estava para brincadeiras. Todos sabiam de seu poder de cura, mas rezavam para que os tiros tivessem sido capazes de detê-lo. Foram vários tiros de vários tipos de armas. Poucos erraram a mira. Aquele homem não poderia sobreviver.
Mas sobreviveu.
Rubro Negro se levantou ainda exausto, mas com seus ferimentos se regenerando numa velocidade que nem ele mesmo estava acostumado. Ele mirou seu olhar para todos. Um a um. Havia fúria naqueles olhos. Sua máscara estava furada em vários pontos, mas ainda guardando sua identidade.
- Minha vez.
Rubro Negro se moveu na direção daqueles bandidos com muita velocidade. Ainda que exausto, com sua velocidade reduzida a menos da metade, era o suficiente para eliminar o espaço que havia entre eles. Subindo na mesa de reuniões, chutou a cara de um ou dois capangas. Alguém o puxou pelo braço o obrigando a descer. Outro tentou segura-lo numa chave de braço. Outros dois agarraram seus braços. Um pegou um soco inglês e desferiu um golpe no peito dele.
Nada daquilo adiantou. Rubro Negro se deixou pegar porque decidiu que não valia a pena gastar o pouco da energia que tinha para desviar daqueles golpes inofensivos. Com um movimento de braços, chocou os dois homens que os seguravam. Depois pegou o braço em volta de seu pescoço e arremessou seu dono sobre a mesa. Desferiu um soco que nocauteou na hora o homem com soco inglês. Os chefes compradores se afastaram e ficaram acuados num canto da sala.
Ricardinho continuava de pé, frente sua cadeira, com Eduardo Acco ao seu lado. Uma pistola leve estava apontada nas costas do geneticista.
- Deixe-o ir. Sua briga é comigo.
- Não me tire pra burro, Rubro Negro. Eu sei que não tenho chances contra você. Esse homem é minha garantia de saída daqui.
- Eu vou te achar, Ricardinho. Eu vou te pegar. Não adianta se esconder como um rato.
- Enquanto isso será caçado e considerado fora-da-lei. Assim como eu. Não é irônico? – ele se afastava para perto da janela com o geneticista rendido.
Então, algo verdadeiramente irônico aconteceu: Ronaldo apareceu por outra porta lateral, entre Ricardinho e Rubro Negro. No segundo de distração de Ricardinho, o geneticista aproveitou para se afastar cerca de 30 centímetros. Rubro Negro disparou uma rajada de plasma que atingiu o peito em cheio. Ricardinho desabou no chão, aturdido.
Ronaldo pegou uma cadeira e partiu para cima de Rubro Negro. Geralmente, o vigilante mascarado não sentiria nenhum abalo com um golpe daqueles, mas estando exausto, ele sentiu seus joelhos fraquejarem. Rubro Negro caiu com a cadeira quebrada sobre sua cabeça. Ronaldo sorria, pois parecia que tinha vencido seu inimigo. Eduardo Acco viu sua chance de fugir daquele mundo de loucos. Pegou a fórmula que estava numa injeção e tentou correr para a porta onde Ronaldo havia aparecido.
O traficante Ricardinho conseguiu se concentrar e atirou na perna do geneticista, para tentar evitar que ele fugisse. Eduardo Acco caiu e acabou espetando o braço de Ronaldo. Todos arregalaram os olhos e focaram o olhar no jovem estudante. Ronaldo começou a sentir-se mau. Cambaleou como um doente.
- O que tu fez comigo? Eu vou morrer!
Ronaldo se desesperou e saiu correndo pela porta de onde veio. Fugiu para longe. Rubro Negro se ergueu com sérias dificuldades e, antes que Ricardinho atirasse novamente, chutou a arma para longe.
- Acabou, Ricardinho.
- Não.
Um dos seguranças ferido apareceu e jogou uma granada no peito do Rubro Negro. Uma explosão tomou conta da sala.

Rubro Negro abria os olhos. Percebeu um monte de madeira, pedra e outros entulhos jogados sobre si. Estava soterrado e já era dia. Percebeu que seus ferimentos estavam fechados e, pelo desmaio, conseguiu descansar o suficiente. Usou de sua super-força para sair dos escombros. Viu bombeiros e policiais. Decidiu que não podia mais fazer nada ali. Com o trapo de roupa que lhe restou, fugiu para casa.
Arthur jogou fora os restos do uniforme branco num lixo próximo à Rua São Clemente, em Botafogo, já perto de casa. Naquela manhã fria, pouca gente estava na rua. Caminhou apenas de short de pijamas e botas negras do uniforme até em casa. Usando suas chaves com muito silêncio, conseguiu chegar até seu quarto sem ser percebido pelos pais.
Depois de ficar acompanhando as notícias pela internet por horas, viu o que queria. Eduardo Acco estava vivo e desmentiu que havia sido seqüestrado pelo Rubro Negro, mas sim pelo traficante mais procurado do Rio de Janeiro: Ricardinho. Arthur sorriu e sentiu um peso sair de suas costas. Estava muito aliviado.

Em sua casa, Ronaldo acordava depois de passar mal a noite inteira. Dessa vez, não sentia nenhuma dor. Pelo contrário, estava se sentindo muito bem. Bem até demais...

Continua...

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Rubro Negro #7 - O Uniforme Branco: Parte 1



Em um laboratório em São Paulo, o geneticista Eduardo Acco terminava de misturar soluções que ele havia conseguido decifrar. Depois da morte do maior geneticista do Brasil, Gabriel Soares, Acco devotou sua vida em busca da fórmula genética que seu ídolo havia encontrado anos atrás.

Sem que ninguém desconfiasse, essa fórmula foi usada em Arthur, a mando do traficante Ricardinho para criar o primeiro super-guerreiro a seu serviço. Entretanto, Arthur conseguiu fugir antes da lavagem cerebral que o tornaria em um homem sem mente, o guerreiro perfeito. Nessa fuga, Gabriel Soares acabou morrendo e, desde então, surgiu o vigilante mascarado Rubro Negro. A fórmula, portanto, se perdeu.

Até agora. Eduardo Acco analisou os resultados e despejou uma lágrima pela emoção de ter recriado, a seu ver, a fórmula de Gabriel Soares. Um grande passo para a humanidade, pensava ele.

Publicando seu artigo, a imprensa tornou sua descoberta em um show de televisão. Haviam vários programas onde essa nova curiosidade do mundo da ciência mostrava ao senso comum suas particularidades. Eduardo Acco se divertia contando as possibilidades de sua fórmula. Poderia ampliar a força, a agilidade e a resistência física, além de uma capacidade de regenerar ferimentos. Tudo à base do plasma.

Arthur decidiu ler o artigo cientifico na integra, curioso sobre seus poderes. Não conseguiu entender absolutamente nada. Buscando informação na televisão, descobriu de modo simples o significado de sua energia de plasma. Segundo Acco, o plasma é o quarto estado fundamental da matéria. É quando se transfere uma quantidade tamanha de energia a uma massa que a transforma além do estado gasoso. É uma das mais poderosas energias do mundo e sempre está em estado de evolução.

Arthur coçou seu projeto de barba pensando nas possibilidades. Será que ele poderia ser mais poderoso que já é? Isso explica o seu poder de estouro que descobriu meses atrás.

Uma semana depois, Eduardo Acco foi convidado a dar uma demonstração ao vivo numa rede de televisão. Utilizaria sua fórmula para alterar o DNA de um rato. Se tudo desse como o esperado, o rato teria força para girar uma roleta de aço, endurecida para tal propósito experimental.

Numa favela do Rio, Ricardinho estreitava seus olhos, pensativo. Havia acabado de ouvir a notícia sobre a descoberta da fórmula do falecido geneticista Gabriel Soares. Fez uma ligação para um antigo capanga.

Ronaldo estava em seu novo trabalho. Seria um dos seguranças responsável por vigiar a apresentação na televisão de Eduardo Acco. Ele aproveitava para sonhar com possibilidades.

- Se eu tivesse super-força... ah, nunca mais iria passar fome.

O professor Cardoso liberou Arthur e Larissa para aproveitarem as férias de julho. Seria um momento completo: férias da faculdade e férias da bolsa de estudos. Arthur já tinha planos de melhorar sua vida social. Ele estava em casa para assistir ao programa de Eduardo Acco, pois tinha interesse pessoal nisso.

Quando começou o programa, ele estava tranqüilo, bebendo refrigerante e comendo pipoca. Porém, as coisas não continuaram tranqüilas.

Houve tiros no estúdio. Correria, e a câmera balançou, saindo do ar em seguida. Arregalando os olhos, Arthur não podia ficar parado. Vestiu-se de Rubro Negro e correu para o Jardim Botânico.

Nos estúdios televisivos, Ronaldo arrastava o geneticista Acco. Minutos atrás um grupo armado de homens vestindo roupas negras entrou no estúdio do programa e renderam todos. Ronaldo reagiu atirando, o que provocou um tiroteio. Algumas pessoas se machucaram, outras fugiram desesperadas. Ronaldo percebeu a burrice que fez, então decidiu tentar salvar pelo menos o geneticista. Correu pelos bastidores, saindo pelas portas do fundo. Encontraram ninguém menos que o Rubro Negro ali.

- Ora vejam só. O pequeno meliante que se acha grande. – Rubro Negro cruzou os braços.

- O que? Está achando que fui eu quem fez isso? – Ronaldo saltou uma veia, demonstrando grande irritação.

- Não foi ele. Foram eles! – Eduardo Acco apontou para trás deles. Havia quatro homens bem armados. Assim que viram o Rubro Negro, se espalharam e descarregaram seus fuzis. Ronaldo e Acco se jogaram no chão para não serem atingidos, pois não eram alvos. Rubro Negro recebeu os tiros, mas apenas cambaleou para trás. Seu uniforme estava cheio de furos.

- Que merda. Quando vão aprender que isso só vai me machucar um pouco? – falava enquanto já sentia seus ferimentos se fecharem.

- Então, que tal isso? – um quinto homem apareceu com uma bazuca. Rubro Negro arregalou os olhos, admirado.

- Ops.

Um tiro certeiro fez Rubro Negro voar muitos metros, se chocar numa parede, abrir um rombo. Segundos depois, a parede não suportou o baque e caiu para trás. Os homens esperaram alguns segundos antes de agir. Confirmaram que Rubro Negro não estava se mexendo. Em seguida, espancaram Ronaldo e levaram o geneticista dali. A polícia apareceu em seguida, no momento em que Rubro Negro acordava. Irritado, só lhe restou fugir.

No esconderijo de Ricardinho, em alguma favela do Rio, os homens entregaram Eduardo Acco. O traficante sorriu, satisfeito.

- Você sabe quem eu sou?

Com medo, Acco se limitou a balançar a cabeça negativamente.

- Eu sou Ricardinho, ex-chefe de Gabriel Soares. Aposto que sabe quem era ele. Pois agora eu sou teu chefe. Trate de trabalhar e me entregue sua fórmula o mais rápido possível.

Ricardinho havia mudado seus planos. Ao invés de desenvolver um exército de super-guerreiros, temendo que as coisas saiam do controle, decidiu vender a informação para o mercado negro, para compradores poderosos espalhados pelo mundo.

Arthur chegou em casa cambaleando, ainda zonzo pelo tiro de bazuca que recebeu. Aquele ferimento demoraria um pouco mais para ser curado. Deitou-se na cama e dormiu até a noite. Acordou com sua mãe.

- Só porque está de férias não quer dizer que pode trocar o dia pela noite, mocinho.

Arthur sorriu para ela e foi para a sala, assistir televisão. Ligou no telejornal e se embasbacou com a notícia:

- Um grupo de assaltantes fortemente armados, liderados pelo Rubro Negro, atacou nossos estúdios e levou seqüestrado o geneticista Eduardo Acco.

“Como eles puderam me envolver nisso? Como acharam que eu era o líder? Eu levei um tiro de bazuca, pelo amor de Deus! Esse é o sistema de justiça para o Rubro Negro: culpado até provarem o contrário!”

A notícia prosseguia desanimadora. O empresário Francisco Heiner ofereceu uma recompensa de um milhão de reais a quem pudesse capturar o Rubro Negro e entregá-lo à justiça. Heiner alegava que havia se compadecido do seqüestro e que iria financiar as pesquisas de Eduardo Acco assim que ele fosse liberado. Mas, secretamente, ele havia recebido uma ligação do traficante Ricardinho. Ele ordenou a recompensa para fechar o cerco ao Rubro Negro.

- Agora o Rubro Negro vai ter o que merece – disse a mãe de Arthur.

“Obrigado, mãe. Era o que eu precisava” pensou Arthur antes de voltar pro quarto.

Deitado em sua cama, olhando seu uniforme totalmente destruído, Arthur teve pensamentos pessimistas. Valendo tanto, não demoraria em surgirem vários grupos mercenários em sua caça. E ele não sabia se podia contar com sua antiga gangue para obter um novo uniforme. Decidiu que era hora de aproveitar suas férias como Rubro Negro também. Jogou os restos de seu uniforme no lixo e dormiu.

Nessa noite, ele teve um sonho diferente. Corria pelas ruas do Rio de Janeiro sem camisa, apenas com o short de pijama. A cidade estava vazia, nenhuma pessoa. Então, ouvia rugidos. Olhava para o lado e via o Lobisomem. Tentava fugir, mas era cercado pelos andróides D-100 e D-1000, que se uniam em sua frente. Mas dessa vez, ele correu para dentro do Maracanã. Lá, era cercado pelo Diabo com seu sorriso sádico. Tentava achar um meio de sair dali, mas logo se viu totalmente cercado por todos os super-vilões que ele havia posto na cadeia. Subitamente, sua gangue aparecia para lhe defender. Eles derrotavam os vilões. Porém, antes de comemorarem, aparecia a gangue das cores branca e preta com Ronaldo na frente. Arthur e Ronaldo se enfrentavam, de igual para igual, como se ambos tivessem poderes. Arthur começava a perder a luta, quando viu seu uniforme aparecendo. Movia-se como se tivesse um homem invisível vestindo-a. Ronaldo, de repente, tinha uma bazuca e destruía o uniforme. Entretanto, outro uniforme se fez: um uniforme branco. Máscara branca, camisa branca com duas listras rubras verticais que começavam e terminavam nos ombros. Tinha outras duas listras rubras, dessa vez horizontais que começavam no flanco e terminavam no abdômen, mas sem se tocarem. Suas calças eram brancas. Suas luvas, botas e ombreiras eram as mesmas, negras. Esse uniforme batia e derrotava Ronaldo.

Arthur acordou suando frio. Olhou para o lixo e viu sua camisa rasgada. Depois de beber um copo de água na cozinha, uma idéia lhe ocorreu: hora de mudar de uniforme.

Dia seguinte, ele foi até a casa de Sofia, no Leblon. Foi recebido em seguida.

- Que surpresa agradável, Arthur.

- E se eu te dissesse que tenho mais surpresas para você, gatinha?

- Como assim?

Arthur se aproximou dela, cheio de atitudes. Segurou suas mãos.

- Acho que temos muita coisa em comum. Acho que nos damos muito bem. Acho também que pessoas que passam por uma situação perigosa juntos, podem criar uma certa química.

Ele aproximava seu rosto ao dela.

- Arthur, você está diferente. Mais saidinho...

Sofia estava um pouco confusa e as palavras de Arthur a fizeram se sentir um pouco desconfortável. Ela inventou que tinha que ir ao dentista e o dispensou. Arthur mordeu a isca e saiu dali.

“Acostume-se, gatinha. Este é o novo Arthur”.

Um helicóptero da polícia sobrevoava o Complexo do Alemão. Havia suspeitas de que o geneticista seqüestrado estava lá. Já se passaram duas semanas desde seu rapto. Duas semanas que Rubro Negro não dava as caras. Por isso os policiais do helicóptero ficaram surpresos ao verem um homem de máscara e roupas brancas sobre um prédio da favela. Acionaram o BOPE.

Rubro Negro estava com seu uniforme branco, observando as pessoas naquela noite. Dessa vez, ele agradecia à imprensa por ser tão sensacionalista e ter revelado que a polícia acreditava que o cativeiro de Eduardo Acco fosse no Complexo do Alemão. Sorrindo, tentava enxergar pessoas suspeitas. Viu homens andando de fuzis, calmamente.

- Na mosca.

Rubro Negro saltou e caiu em pé em frente aos homens armados. Sorriu para eles, num tom irônico.

- Eu quero saber onde está Eduardo Acco, o cientista.

Aqueles homens apenas abriram fogo. Rubro Negro não quis se mover. Recebeu a saraivada de tiros, mas agüentou firme, com poucos ferimentos. Dessa vez, seu uniforme branco não tinha nenhum furo, era feito de um material a prova de balas, cortesia de um roubo que ele fez a um carro de polícia. Um único crime que ele se permitiu cometer.

- Má idéia. Agora eu vou chutar seus traseiros.

O vigilante espancou violentamente cada um daqueles homens do tráfico. As pessoas à sua volta ficaram horrorizadas.

- O que foi? Vocês gostam desses traficantes controlando a vida de você? Então não reclamem!

Correndo, subia o morro. Viu que alguém havia disparado um sinalizador para cima. Definitivamente, estavam sabendo da presença dele naquela favela do Complexo do Alemão.

Outros traficantes apareceram. Atiraram, mas Rubro Negro não deu bola. As balas eram fracas perante sua grande resistência agora somada à roupa à prova de balas. Rubro Negro poderia investir na favela de forma furtiva, sem levantar suspeita. Mas naquele momento, ele só pensava em mostrar a todos que não era um vilão. A mudança de uniforme era um símbolo dessa mudança de atitude. Menos furtividade, mais presença na vida das pessoas.

Alguns traficantes começaram a jogar granadas. Rubro Negro não teve como ignorar isso. Correu e decidiu continuar sua caminhada sobre os tetos dos barracos dos moradores. Chegou a um ponto onde ele reencontrou os homens armados que haviam seqüestrado Eduardo Acco e lhe atirado com uma bazuca.

- Nos encontramos de novo, babacas. Agora é a hora do troco.

Concentrando sua energia, disparou um raio de plasma sobre um dos homens. Ele voou uma grande distancia. Era força demais para um ser humano. Ele deslizou sobre o morro e caiu. Os outros atiravam com seus fuzis, mas Rubro Negro estava mais rápido. Desarmou um deles e lhe deu uma coronhada. Usou o fuzil como bastão e acertou outro. Outros quatro pularam em cima dele. Rubro Negro girou seu braço derrubando dois, depois usou um chute para derrubar outros dois. Limpou as mãos e riu.

- Vocês são patéticos. Ninguém pode com o novo Rubro Negro!

Agarrou o colarinho de um deles:

– Onde está Eduardo Acco?

O homem nada disse. Rubro Negro lhe deu um soco no rosto, quebrando o nariz.

- Onde está Eduardo Acco?

- Não sei de nada não – respondeu entre gemidos de dor. Rubro Negro o socou novamente, dessa vez levando vários dentes.

- Onde está Eduardo Acco?

O homem chorava e nada falava. Rubro Negro criou um círculo de energia de plasma em sua mão. Colocou sobre a cabeça do homem.

- Eu vou te matar. Onde está Eduardo Acco?

- Meu Deus, não me mata!

Rubro Negro sentiu uma paulada na cabeça, apesar de não ter sentido dor. Olhou para trás e viu um senhor de idade, dono de um botequim.

- Saia já daqui, covarde!

- Eu? Covarde? Você é pai desse criminoso?

- Não!

- Então vaza daqui. Ele é criminoso e só atrapalha a vida dessa comunidade.

- O que você está fazendo é pior. Nenhum ser humano merece isso!

Rubro Negro arregalou os olhos. Olhou para as ruas e via todos os moradores da favela com olhares de raiva, medo e indignação.

“O que foi que eu fiz?” Rubro Negro correu para longe dali, ainda desviando de carros da polícia. Estava envergonhado do que tinha feito. Tudo que queria era pensar. Sobre um telhado de algum prédio perto de casa, em Botafogo, Rubro Negro tirou sua máscara. Começou a chover naquele instante.

Em sua ânsia por melhorar sua impressão perante a mídia e a sociedade, ele esqueceu quem ele realmente protege. As pessoas que não podem se defender sozinhas. As pessoas que são oprimidas diariamente em seus trabalhos por seus patrões, pela imprensa que os criminaliza e pelos traficantes que controlam suas vidas cotidianas. Esqueceu que os criminosos também eram pessoas que talvez não tivessem outra escolha para sobreviver na marginalidade, esquecidos por todos. Rubro Negro esqueceu dos pobres. E por isso, ele chorou.

- Isso nunca mais vai acontecer.


Continua...

domingo, 4 de julho de 2010

Rubro Negro #6 - A Ameaça de Lorde Mágiko


Era noite no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
Os vigias caminhavam sonolentos em frente à fachada envidraçada do museu mais famoso do Brasil. Um homem estava encoberto pelas sombras daquela noite e observava seu alvo.
Ajeitando sua máscara vermelha, ele finalmente encontrou o momento certo de agir. Os vigias estavam trocando de turnos. Correndo numa velocidade sobre-humana, ele entrou pelo portão lateral do Museu. Com um salto de nível olímpico, alcançou o tubo de ventilação, que estava no teto. Agarrando as grades que fechavam o tubo, ele usou sua super-força para arrebentar as dobras de aço. Entrou, sem fazer muito barulho, sem ser notado.

Arthur acordava para mais um dia corrido. Comendo sucrilhos, via o jornal da manhã apresentando as notícias policiais. Ele via os jornais como uma fonte para suas atividades como Rubro Negro. Recebeu uma mensagem de texto em seu celular de Cecília.
“Devo ter dado uma boa impressão no último encontro”. Com um sorriso triunfante, ele respondeu o convite para o cinema feito pela menina paulista. Ele sabia que Cecília estudaria Belas Artes na Universidade Federal do Rio de Janeiro, por isso queria ser o mais amigável possível.
Subitamente, uma notícia chamou atenção de Arthur. O Museu de Arte Moderna havia sido assaltado pelo Rubro Negro. Arregalando os olhos e cuspindo o seu sucrilhos, Arthur aumentou o volume da notícia. A televisão mostrou imagens do circuito interno de segurança. Sem dúvida, era o Rubro Negro com uma mochila nas costas. Ele roubava uma obra de metal suíça, de extremo valor. Alguns guardas apareciam e Rubro Negro dava cabo deles com uma pistola que disparava raio laser vermelho, da cor do raio de plasma do Rubro Negro original. Ninguém morreu, mas no final, Rubro Negro ainda dava “tchau” para a câmera de segurança antes de destruí-la.
“Ainda bem. Pensei que eu era sonâmbulo!” Arthur terminou sua refeição e tão logo saiu de casa.

Pegando o metrô na Estação Botafogo, Arthur desceu na Cinelândia. Ele caminhou algumas ruas até o Museu de Arte Moderna e encontrou um tumulto de repórteres, policiais e curiosos. Se metendo entre os curiosos, ele viu uma janela no segundo andar aberta. Olhou para os lados e percebeu que ninguém o via. Saltou uma grande distância e escalou até a janela. Uma vez dentro, percebeu que estava na sala onde a câmera de segurança havia sido destruída. Havia uma ou duas obras chamuscadas pelos raios lasers. Arthur ficou insatisfeito por saber que sua rajada de plasma deixava a mesma impressão em objetos. Ficavam chamuscados como se tivessem ateado fogo.
- Parado aí. Tenente Vanessa. Quem é você? – uma policial apareceu subitamente mostrando sua carteira de policial. Ela trajava roupas sociais e um colete a prova de balas. Tinha pele morena e cabelos longos, lisos e presos. Tinha uma cara de poucos amigos.
- Eu sou Arthur, sou... – gaguejou, ficou pensando numa desculpa menos esdrúxula possível, mas quanto mais tempo demorava a responder, menos credibilidade passava.
- Se você não me responder agora, eu vou lhe dar voz de prisão imediatamente.
O furor dos repórteres se tornou mais barulhento naquele exato momento. Isso chamou a atenção da policial e de Arthur, aliviando sua barra. Um policial muito nervoso apareceu:
- Tenente Vanessa, apareceu um cara fantasiado aqui!
Os dois caminharam até a sala principal e viram um homem trajando roupas de gala, sobretudo e luvas brancas. Tinha olhos verdes brilhantes, pequeno cavanhaque negro, cabelos negros, curtos, bem penteados com um leve grisalho. Ele tinha um cajado polido em mãos com uma jóia verde brilhante. Ele erguia as mãos para todos, acenando. Então, depois do furor de perguntas dos repórteres e antes de ser abordado pelos policiais, ele falou. E sua voz era alta e limpa.
- Nada temam meus amigos. Eu sou Lorde Mágiko. Por tempo demais eu assisti a atuação do covarde criminoso Rubro Negro. Estou aqui para trazer a esperança para a família, para o cidadão de bem poder ter segurança nas ruas. Vou pegar o Rubro Negro e levá-lo a justiça.
Perguntas explodiram em todos os cantos. Os policiais desistiram da idéia de repreensão. O deputado Aloísio Mendonça entrou em cena. Ferrenho opositor ao Rubro Negro, ele havia ido ao Museu para criticar o vigilante mascarado e cobrar mais ação da polícia.
- E o que você pode fazer? – perguntou o deputado, com cara de desconfiança.
- Estava esperando a pergunta. – disse o Mágiko, com um sorriso sarcástico nos lábios.
Mexendo em seu cajado, surgiu uma névoa branca em sua volta que girava em torno de si. Lorde Mágiko levitou, provocando suspiros entre todos. Mexendo novamente em seu cajado, disparou um raio laser sobre o teto, destruindo-o completamente. Destroços começaram a cair e houve um pânico geral. Entretanto, quando todos olharam de novo, se deram conta que nada havia acontecido. Não havia destroços, não havia teto destruído, nem mesmo Lorde Mágiko estava presente. Apenas ecoava uma voz no ar:
- Isso é um aviso ao Rubro Negro. Não haverá lugar para você se esconder, nem fugir.
Arthur olhou para aquele homem e já sentiu cheiro de tramóia no ar. Um homem surge do nada dizendo que vai prender o criminoso Rubro Negro? Até então ninguém havia tentado incriminar o herói mascarado. As coisas podiam ser conectadas. Lorde Mágiko pode ter vestido a roupa do Rubro Negro para incriminá-lo.

De noite, no ônibus, indo para casa, Arthur ouvia pagode como som ambiente. Ficava pensando em como encontrar Mágiko para esclarecer tudo. Então, a rádio interrompeu o pagode para falar que o Rubro Negro estava envolvido em um incidente no Shopping Center Tijuca.
“Hora de conhecer meu irmão gêmeo”. Arthur desceu do ônibus e pegou o metrô até Saens Pena.

Enquanto isso, no Shopping, as pessoas corriam. Os seguranças pareciam inúteis ou com medo de enfrentar um homem como Rubro Negro, capaz de proezas físicas comprovadas. Ele tinha um saco e carregava dinheiro e jóias valiosas. O falso Rubro Negro corria pelo segundo andar, disparando seu raio lasers aleatoriamente. A polícia demorava em dar as caras. Quando o Rubro Negro verdadeiro apareceu.
- Tá achando que pode queimar minha imagem? Ela já era queimada antes... – Disse o vigilante mascarado correndo de encontro ao impostor. Saltando, desferiu um chute com os dois pés juntos. Mas ele ficou surpreso em descobrir que era uma ilusão. Rubro Negro nada acertou e acabou destruindo a vitrine de uma loja de roupas.
Erguendo-se daquele vexame, ouviu uma risada ambiente. Saindo da loja, viu Lorde Mágiko flutuando sobre uma névoa branca, como quem acabara de chegar.
- Seu filho da p
- Modere seu linguajar, vilão. Irá pagar por todos os seus crimes. – Lorde Mágiko tinha uma certeza e entonação na voz que incomodava.
Rubro Negro saltou sobre ele. Mas Mágiko era outra ilusão. Dessa vez, o herói mascarado caiu do segundo andar do Shopping, destruindo um banco de madeira, perto de um chafariz. As pessoas em volta se escondiam. Lorde Mágiko apareceu ao lado de Rubro Negro gesticulando com um olhar sereno para as pessoas:
- Não tenham medo. Não deixarei que ele os machuquem.
- Tu é o único em se preocupar em se machucar, cara – Rubro Negro rangia os dentes, com raiva e apontava para Lorde Mágiko. Estava louco para esmurrá-lo.
- Eu já estou preparado para lhe enfrentar. Mas não será aqui, na frente dessas pessoas. Não arriscarei suas vidas. Será no mesmo lugar onde você me arruinou. – A voz dele era decidida, agora foi substituída por um tom de rancor e amargura.
- O que? Você é um idiota. Não sei do que está falando.
- Tudo será explicado, Rubro Negro. Siga a estrada de tijolos amarelos.
Subitamente, no chão do Rubro Negro surgiu um caminho de tijolos amarelos, que serpentearam pelo shopping inteiro até a parede sul, que se desfez como se corroesse. O caminho de tijolos amarelos seguiu até a imagem da Ponte Rio-Niterói. Lorde Mágiko a seguiu voando até desaparecer.
Rubro Negro correu para alcançá-lo, mas deu de cara com a parede. Era tudo ilusão. Algumas pessoas riram dele. Outras o chamaram de ameaça. Mas ele se achava outra coisa:
“Já estou começando a me sentir um idiota...”

Na noite seguinte, a Ponte Rio-Niterói foi fechada. As pessoas desciam de seus carros para ver Lorde Mágiko flutuando sobre sua neblina, pairando o centro da ponte. Havia repórteres do Brasil inteiro, policiais controlando os carros para se adequarem ao que estava prestes a acontecer. Mágiko acenava e ganhava aplausos.
Arthur terminava de por sua máscara e via como seu adversário era adorado. Sentiu um pouco de inveja e quase desistiu de ir de encontro.
“Ah, que porcaria. Me sacrifico por essas pessoas e elas aplaudem o vilãozão. Que merda. Ah, foda-se. Vou lá.”
Rubro Negro subiu sobre um ônibus e se fez visto. As pessoas vaiavam e jogavam coisas. O vigilante mascarado resmungava, mas mantinha o controle, tentando ignorar aquelas pessoas.
- Muito bem, já estão contra mim. E agora? O que tu vai fazer?
- Isso! – Lorde Mágiko apontou seu cajado e a jóia verde brilhou intensamente. Um raio laser foi disparado. Rubro Negro sorriu, pois era fácil desviar. Mas, quando pensou em realizar seu movimento, foi surpreendido com a divisão do raio laser. Tornaram-se círculos de energia que circularam o herói, mas sem tocá-lo. Rubro Negro ficou confuso, quase sem equilíbrio. Acabou caindo do ônibus. Na queda, um dos círculos de energia o atingiu e o jogou pra fora da ponte.
Num momento de desespero, ele se agarrou num pedaço de concreto. Lorde Mágiko voou para perto de Rubro Negro com um sorriso sereno no rosto. Disparou novamente um raio com seu cajado acertando sua cabeça. Rubro Negro despencou na Baía de Guanabara.

Chegando em casa, Arthur estava muito emburrado. Havia desmaiado e acordado horas depois. Nenhuma equipe de resgate apareceu. Todos estavam contra o Rubro Negro. Sem falar com os pais, se trancou no quarto. Ligou seu computador e viu as notícias na internet juntamente com um vídeo da luta e da queda do Rubro Negro. O celular tocou e ele atendeu exalando grosseria.
- O que é?
- Arthur? Só queria saber se você estava vivo – era Cecília.
- Cecília? Ah, o cinema! Eu esqueci...
- Você sabe como fazer uma garota se sentir importante – disse, com tom irônico.
- Olha, se não for muito tarde eu...
- Desculpe. No meu jogo, só tem uma bola fora. – desligando.
“Francamente, essa paulista é jogo duro. Mas que merda. Desde que eu vesti essa camisa minha vida ficou uma bagunça. Mas agora chega. Tô tirando férias do Rubro Negro”.

Dia seguinte, Arthur acordou cedo, leu textos para a faculdade que estavam atrasados. Sorria radiante sem o peso nas costas de ser um super-herói. Ligou a televisão e viu a imprensa cair de amores pelo Lorde Mágiko. Entretanto, a tenente Vanessa foi entrevistada e disse que não acharam o corpo do Rubro Negro, portanto, não havia garantias de que estivesse morto. Também disse que não era ávida em cair nas graças do novo “herói”, pois não havia investigações suficientes. Disse que Lorde Mágiko usava aparelhos ilusórios, por isso, suspeitava que o Rubro Negro assaltante fosse uma farsa.
Sua opinião fora criticada pelo jornalista que apresentava o telejornal e pelo deputado Aloísio Mendonça, que insistia em aparecer demais. Arthur sorriu. Afinal, havia esperança para ele.

De noite, a tenente Vanessa dirigia seu carro quando parou num sinal. Rubro Negro apareceu para ela fazendo malabarismos com laranjas.
- E aí, vamos conversar?

No departamento da polícia militar, em seu escritório, Rubro Negro e Vanessa estavam escondidos, conversando.
- Ele disse que eu já o arruinei, na Ponte Rio-Niterói.
- Vamos ver. – a tenente Vanessa pesquisou sobre incidentes na Ponte onde havia relatos da presença do Rubro Negro. Descobriram que houve uma batida de carros na Ponte e o Rubro Negro salvou um homem da explosão iminente de seu carro, mas não salvou sua esposa.
- É, merda. Eu fiquei arrasado também. – Ele estava como Arthur num ônibus voltando de Niterói, depois da luta contra o Ciborgue Titânio, semanas atrás. Viu o acidente e o transito parou. Desceu do ônibus, pôs sua máscara e tirou sua jaqueta mostrando o uniforme. Salvou o homem, mas não salvou a mulher. O homem disse que teve sua vida arruinada, que era melhor ter morrido com sua mulher.
- Este homem é Sérgio Fonseca, era um mágico de festas infantis. Ele deu depoimento para a polícia depois do acidente. Ele mora na Rua Conde de Irajá, em Humaitá.
- Maravilha. Eu vou lá.
- Espere... - Rubro Negro saltou pela janela e correu.

Um jornal da cidade recebeu um e-mail: “Se quiser saber da verdade sobre Rubro Negro e Lorde Mágiko, compareçam à Rua Conde de Irajá, Humaitá. Assinado: Rubro Negro, que não tem medo de morrer”. A noticia se espalhou como fogo na palha.
Enquanto isso, Rubro Negro entrava no prédio de Sérgio Fonseca pelos fundos, subindo pelas escadas de emergência. Arrombou a porta de sua casa com facilidade. Ele encontrou fotos suas presas nas paredes com dardos em seu rosto. Viu a roupa falsa do Rubro Negro e a arma laser usada. Havia um cubo eletrônico do tamanho de uma bola de sinuca que projetava imagens falsas. Além das plantas do Museu, Shopping e Ponte.
“Na mosca.”
Enquanto isso, carros de reportagem e de polícia chegavam. A tenente Vanessa estava junto.
Rubro Negro sentiu suas costas queimarem. Recebeu um raio laser em cheio. Lorde Mágiko flutuava do lado de fora de seu apartamento.
- Seus truques acabaram, mágico imbecil.
Rubro Negro apontou com suas duas mãos juntas e disparou uma rajada de plasma energético. Lorde Mágiko desviou do golpe com dificuldades. Foi obrigado a pousar na varanda. A essa altura, o ferimento nas costas do herói estava curado.
- Tu só é bom em espaços abertos. Aqui não tem chances de me vencer. – Disse o herói, confiante.
Então, para complicar as coisas, a tenente Vanessa apareceu com um revolver apontando Lorde Mágiko. Ela ordenava para ele ficar parado. Rubro Negro gritou para ela sair dali. Em meio aos gritos, Lorde Mágiko usou sua neblina para ocupar o apartamento inteiro. Rubro Negro e Vanessa ficaram perdidos. De repente, um raio laser foi disparado e acertou em cheio a tenente. Rubro Negro esbarrou com ela e a segurou bem próxima a si mesmo.
- Espero que dê certo.
Concentrou-se e disparou a energia de plasma em seu estouro, atingindo a tudo no apartamento. Lorde Mágiko inclusive, que voou contra a parede, batendo a cabeça e ficando tonto.
Colocando a tenente ferida nos ombros, ele se aproximou de seu adversário.
- Desculpe cara. Eu juro que tentei salvar sua mulher.
- Não aceito suas desculpas. A cidade precisa de um herói melhor que você. Eu posso, eu sou melhor.
- Não é, não. Você cometeu crimes somente para me ferrar, ignorou meus feitos anteriores. Eu tento ajudar todo mundo. Você só pensou em você mesmo, quando pensou em seu plano de vingança.
Sérgio Fonseca calou-se e chorou. Rubro Negro usou o telefone da casa para fazer a polícia subir e com médicos para a tenente ferida. Depois, correu para as escadas de emergência, trocando já sua roupa para ser Arthur de novo.

Dia seguinte, Arthur lia a manchete: Rubro Negro inocentado, Lorde Mágiko preso. Ele estava caminhando para o ponto de ônibus para ir ao Fundão, onde o curso de História foi transferido após a destruição do IFCS. Acabou esbarrando com Cecília.
Os dois ficaram em meio a um silêncio constrangido.
- Bem, desculpe esquecer do cinema.
- Tudo bem, desculpe ter desligado o telefone na sua cara.
- Já que estamos resolvidos, que tal aquele cineminha depois da aula?
Ela sorriu.
- Desculpe, Arthur. Mas vou sair com outro menino.
- Ah, tudo bem.
Arthur sentiu-se menor, frustrado. Apesar de sua vida social ter problemas, ele estava bem resolvido com a opinião pública como Rubro Negro.